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Os problemas da desordenada frota de veículos prejudicam inevitavelmente o dia a dia de quem vive em grandes centros
Por Beatriz Noronha, do Canal Ibase
De 2001 a 2011, o número de automóveis nas 12 metrópoles do país aumentou de 11,5 milhões para 20,5 milhões. As motocicletas passaram de 4,5 milhões para 18,3 milhões nestes mesmos dez anos. A cidade do Rio de Janeiro vivenciou um aumento de 62% na frota. Isso significa que mais de 1 milhão de automóveis em termos absolutos passaram a circular, ultrapassando a marca de 2,5 milhões de carros. Quanto às motocicletas, a frota triplicou, passando de pouco mais de 98 mil para 430 mil. O aumento absoluto de aproximadamente 332 mil motocicletas correspondeu a um crescimento relativo de 338,6%. Os dados são do relatório do Observatório das Metrópoles, com base em informações do DENATRAN. Este cenário desenha um quadro de desafios para a gestão de qualquer cidade, em especial para o Rio de Janeiro, onde a fluidez do trânsito sofre com a peculiar configuração das vias de acesso, espremida entre os morros e o mar.
O estudo deixa claro que as instâncias de poder precisam compreender ambiente, transporte, saúde e direito à cidade como temas intimamente ligados e de relação direta. Pensar sobre um sistema de transporte coletivo integrado que funcione pela lógica da sustentabilidade nos grandes centros urbanos para o enfrentamento dos problemas de trânsito é importante para a melhoria da qualidade de vida no cotidiano das cidades. Entende-se como modelo sustentável, de acordo com a Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), de 1991, a busca de equilíbrio entre desenvolvimento econômico, proteção ambiental e justiça social.
[caption id="attachment_19154" align="alignright" width="300"] As bicicletas despontam como alternativa saudável, viável e necessária para uma cidade sustentável (Marcello Casal Jr/Arquivo ABr)[/caption]
Segundo pesquisa da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) de 2010, a previsão é de que quase três milhões de carros circulem pelo Rio de Janeiro em 2016. Isso significa cerca de 400 carros em circulação para cada mil habitantes na cidade, assim como uma deterioração ainda mais acentuada da qualidade do ar. O último relatório sobre a qualidade do ar do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), no Rio de Janeiro, mostra que 77% dos poluentes lançados à atmosfera vêm das fontes móveis – transportes terrestres, aéreos e marítimos. A Avenida Brasil, que se caracteriza por seu fluxo intenso de veículos, representa 30% do total de poluentes emitidos no ar da capital fluminense.
Pensando toda essa equação, um Fórum Permanente da Mobilidade Urbana na Região Metropolitana do Rio de Janeiro foi criado para acompanhar as questões de locomoção da população em toda a região. A intenção do Fórum é realizar diagnósticos, repercutir discussões, apontar soluções, acompanhar as providências dos gestores públicos responsáveis de cada setor, divulgar todas as informações para a sociedade e colocar a mobilidade urbana na pauta das políticas públicas visando a um modelo de cidade cada vez mais sustentável.
Os problemas da desordenada frota de veículos prejudicam inevitavelmente o dia a dia de quem vive em grandes centros. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), um maior número de pessoas tem levado cada vez mais tempo em seus deslocamentos cotidianos.
Com 40 anos de experiência na área de mobilidade urbana no Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para todos (MDT), o urbanista Nazareno Stanislau Affonso explica que a escolha pelo transporte individual em detrimento do transporte coletivo representa uma política antiga, já dos anos 60, onde os automóveis eram valorizados e havia um incentivo político-econômico para que fossem adquiridos.
O urbanista afirma, contudo, que o cenário atual é positivo para avanços nas políticas de mobilidade urbana, considerando dois momentos: a criação de uma Lei específica e completa para o tratamento das reformas urbanas, e os mega eventos que irão atrair bilhões em investimentos que devem ir para infraestrutura dos transportes públicos. A Lei 12.587/2012, sobre a Política Nacional de Mobilidade Urbana, foi sancionada em janeiro, e começou a vigorar no mês de setembro. Ela prioriza meios de transporte não motorizados e serviço público coletivo e fala sobre a importância da integração entre os modos e serviços de transporte urbano.
A legislação também prevê diretrizes para a melhoria no processo de mobilidade nas cidades. Dentre elas, a restrição da circulação em horários pré-determinados, a exemplo do que já existe em São Paulo. Cobrança de tarifas para a utilização de infraestrutura urbana, espaços exclusivos para o transporte público coletivo e para meios de transporte não motorizados, estabelecimento de políticas para estacionamentos públicos e privados.
Nazareno aponta que o modelo do sistema de transporte do Rio de Janeiro, BRT e BRS (trânsito rápido de ônibus), tem alimentado expectativas de um plano sustentável, e servido de base para se pensar o desenvolvimento das políticas de mobilidade em outros estados. “Mas essas medidas devem ser contínuas para que a qualidade de vida seja realmente alcançada”, comenta.
“Concentrar investimentos no transporte não motorizado dando preferência ao transporte público, de coletivos e ferroviários, é fundamental para redução de custos e evolução para um modelo sustentável”, salienta o urbanista, que destaca também o quanto é importante retirar o pedágio dos custos dos usuários, ao mesmo tempo que o poder público deve agir em todas as suas instâncias para manutenção da qualidade do sistema de transporte oferecido à população. “O fundamental é a qualificação constante do serviço público prestado, que precisa repercutir na vida do carioca”, acrescenta.
É neste contexto que o MDT lançou um manifesto de onze propostas que defende a mobilização da sociedade para que a implementação da Lei da Mobilidade Urbana – colocada como “nosso Estatuto da Mobilidade Sustentável”, seja efetuada integralmente. Para Affonso, uma cidade sustentável passa pela proposta de um sistema de mobilidade urbana que gere menos impacto ambiente para todos seus habitantes.
Com a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, um investimento considerável será canalizado para ações diretas em melhorias do transporte público. Juntas, as obras representam bilhões em investimentos, dos quais uma boa fatia será destinada a infraestrutura de transportes, cerca de R$12 bilhões só para a Copa do Mundo. “Parece assim existir uma saída à crise da mobilidade”, afirma. Os principais projetos desta política envolvem ampliação e construção de novas vias e principalmente a implantação do sistema BRT. Das 12 cidades-sede da Copa, nove têm projeto nesse sentido. As propostas não vão resolver todos os problemas, mas podem diminuir os entraves da mobilidade urbana.
Segundo MDT, o transporte público é o eixo estruturador de todas as mudanças desejáveis. Bicicletas e calçadas acessíveis às pessoas com deficiência passam a ser o centro da ação dos governos. O representante do Movimento comenta que a nova Lei representa um avanço no sentido de chegar a uma mobilidade de fato sustentável e destaca a importância da transparência das informações dos custos das tarifas, o controle social dos investimentos e os direitos dos usuários - receber informações sobre itinerários, horários e tarifas dos serviços nos pontos de embarque e desembarque -, como aspectos a serem observados para que o processo de reestruturação das vias e transportes públicos seja de fato democrático.
As bicicletas despontam como alternativa saudável, viável e necessária para uma cidade sustentável. Nesse sentido, o Rio de Janeiro ganhou na sexta-feira, 21 de setembro, seu primeiro mapa cicloviário, que traz informações importantes para os ciclistas e orienta toda a movimentação na cidade. Regras de trânsito para bicicletas, sinalização das ciclovias e dicas de segurança são algumas das informações úteis do mapa, que também traz um serviço sobre como usar bicicletas no metrô, no trem e nas barcas. Considerando as mudanças que fazem parte da dinâmica de grandes centros, os dados dispostos na cartilha serão frequentemente atualizados. Vale lembrar que agora os trens da Supervia, que só permitiam bicicletas aos domingos, começaram a aceitá-las aos sábados e feriados.
O que se propõe e espera no contexto atual, segundo Nazareno, é que uma efetiva reforma consiga alterar o modelo urbano brasileiro em todas as cidades do país.