Dois trabalhadores em Unaí, em Minas Gerais, um assenato e outro temporário em colheitas, ouvidos pela Agência Brasil, mostram realidade distinta.
Por Wellton Máximo, Agência Brasil
Unaí (MG) - Jerônimo Cândido Virtuoso vive do que produz num terreno de 20 hectares na área rural de Unaí, no noroeste mineiro. Na ocupação Acampamento Índio Galdino, ele cria porcos e vacas, além de produzir arroz, feijão e café. Até consegue vender maracujá e mandioca em feiras livres. Mas, cinco anos atrás, o agricultor de 44 anos era mais um dos moradores da Vila Estrutural, uma das regiões mais pobres do Distrito Federal.
Gerônimo Rodrigues tem nome parecido, mas uma vida bem diferente. A cerca de 90 quilômetros da ocupação onde vive Jerônimo, Gerônimo habita uma casa do bairro Mamoeiro, periferia de Unaí. Bóia-fria por 13 de seus 34 anos de vida, recorre a trabalhos temporários nas entressafras para não passar fome. “Se eu não arranjar bico, posso ficar sem comer quando o trabalho na lavoura acaba”, afirma, mostrando resignação com a fonte instável de sustento.
As vidas de Jerônimo e Gerônimo são exemplos dos dois extremos revelados por um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). De autoria do biólogo Fernando Ferreira Carneiro, a pesquisa revelou que as condições alimentares dos bóias-frias são piores que as dos assentamentos da reforma agrária e de ocupações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Em sua pesquisa, Fernando Ferreira entrevistou 202 famílias desses três diferentes públicos. A pergunta era se alguém havia enfrentado dificuldades de alimentação nos últimos três meses. “Essa é a mesma pergunta feita pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios”, ressalta o biólogo.
O resultado mostra que uma em cada dez famílias dos assentamentos rurais afirmava ter passado fome. O volume crescia para 20% no caso dos militantes do MST que vivem em acampamentos. No caso dos bóias-frias, esse índice dobra: 40%. “Os próprios números comprovam que a segurança alimentar dos sem-terra é quatro vezes melhor que a dos bóias-frias”, destaca o pesquisador.
Jerônimo confirma a tese de Fernando Ferreira. “Desde que conquistei meu pedaço de terra, nem sei mais o que é passar fome”, afirma o militante do MST que vive no Acampamento Índio Galdino. A área, segundo o MST, já foi convertida para a reforma agrária e está prestes a ser demarcada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A produção para consumo próprio, no entanto, não é a única explicação para a segurança alimentar dos militantes do MST. O sistema de plantação coletiva e a solidariedade entre os militantes também ajudam a prevenir a fome nesse tipo de população rural. “Por causa da organização do movimento, quem já produz alimentos sempre dá um jeito de doar parte da comida para quem está debaixo das lonas ou enfrenta dificuldades”, explica Carneiro.
Apesar de vender parte da produção, Jerônimo costuma doar parte da mandioca colhida para um acampamento do MST próximo a Sobradinho, cidade do DF a cerca de 30 quilômetros de Brasília. O mesmo faz a assentada Antônia Rodrigues da Silva, 59 anos, que há seis anos vive no Assentamento Rural Menino Jesus, formado por 29 famílias de militantes do MST assentadas pelo Incra em 2001 ao lado do Acampamento Índio Galdino.
“Sempre que sobra um pouquinho, a gente dá para os companheiros, até porque eu precisei de ajuda quando era acampada”, ressalta Antônia, que viveu num acampamento por dois anos antes de ser assentada.
Sem trabalho pelo menos três meses por ano, os bóias-frias nem sempre contam com a solidariedade quando as colheitas acabam. Quem não consegue empregos temporários, endivida-se nas mercearias das periferias das cidades. “Se não tem dinheiro, o jeito é pedir fiado no armazém”, afirma o bóia-fria Geraldo Lourenço da Silva, 69 anos, que há 20 anos colhe feijão em Unaí.
Segundo Geraldo, o problema é ainda pior porque os trabalhadores rurais que moram em áreas urbanas têm de pagar pela água e energia elétrica. “Eu quase não tenho aparelho elétrico, mas tenho de pagar R$ 100 por mês só de luz”, reclama Geraldo. “É menos dinheiro que fica para a comida”.
(Agência Brasil)