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Na história recente desta triste e tão golpeada república alguns políticos alçaram posições de liderança por entender – e responder – ao espírito do tempo. Getúlio Vargas entendeu que as elites urbanas e rurais viviam em mundos separados e elaborou politicas diferentes para cada grupo. Jucelino Kubitcheck entendeu como transformar obras em votos e em dinheiro para conseguir mais votos. Lula da Silva entendeu que o desejo da classe trabalhadora passava pelo consumo, gerando um círculo vicioso a partir do qual qualquer aumento real de salários retornava em dobro para os empresários na forma de aumento de vendas. O governo golpista de Temer não é apenas ilegítimo, é também completamente desconectado das ambições e dos valores contemporâneos da parte mais esclarecida da sociedade brasileira.
E é aqui que entra o potencial de Fernando Haddad. Em palestra aos alunos da Escola de Arquitetura e Design da UFMG (minha eterna casa) que lotaram hall, escada, balcão e auditório (com telão) para escutá-lo, o ex-Ministro da Educação e ex-Prefeito de São Paulo explicou suas escolhas a partir de uma estratégia política que tem o urbanismo como eixo central. Defendeu sua opção de fazer tudo que pôde já no primeiro mandato porque percebeu desde o início que dificilmente teria um segundo mandato. Nas palavras dele, logo no início do governo viu-se na situação de estar perdendo de 5x0 como a seleção no intervalo da semifinal. Não fazia sentido jogar na retranca, era melhor partir pra cima. Haddad não disse, mas no entender da plateia o jogo em São Paulo acabou 5x4, ou 6x5. Uma derrota mui honrosa.
E porque entendemos a derrota de Haddad como uma batalha honrosa? Porque Haddad conseguiu, melhor que ninguém, entender as ambições e os desejos da parte mais esclarecida da população brasileira. Os marqueteiros do PSDB foram muito hábeis em perceber que o paulistano médio falava em “indústria da multa” porque não tinha coragem de admitir que morria de raiva de estar parado no engarrafamento enquanto os ônibus passavam livres na sua faixa exclusiva. Ninguém vai conseguir explicar pros seus netos que votou contra as ciclovias, contra os limites de velocidade nas marginais, contra as faixas exclusivas de ônibus. Por isso precisam de códigos como “indústria da multa” para disfarçar o fato de que estão do lado errado da história. Acontece que as multas não vão diminuir e daqui a pouco o paulistano médio vai perceber o engodo. Tomara que perceba a tempo de usar mais o transporte público e assim deixar de “ser” congestionamento.
[caption id="attachment_242" align="aligncenter" width="349"] Estudantes lotaram a UFMG para ver Haddad (Foto: Fernando Lara)[/caption]
Em 2013, no calor dos protestos, escrevi que a esquerda tinha três grandes lacunas em termos de propostas: meio ambiente, segurança pública e urbanismo. Fernando Haddad, assessorado por excelentes urbanistas como Fernando Melo Franco, João Sette Whitaker Ferreira, Gustavo Partezani Rodrigues e o incansável Nabil Bonduki, entre tantos outros, recuperou para a esquerda o protagonismo do urbanismo. Questões relativas a mobilidade são muit importantes mas a ação de Haddad foi além, aprovando (sabe-se lá como) um plano diretor progressista que vai inegavelmente servir de referência para o mundo nas próximas décadas. Fachada ativa, coeficiente 1, desestímulo às garagens, adensamento coordenado com corredores de mobilidade, tudo isso aponta para o futuro, ao contrário das políticas de Dória em SP e Crivella no Rio que apontam, sem exceção, para o passado.
E é aqui que Haddad se coloca muito bem: no cenário futuro. Caso o Brasil sobreviva ao atual retrocesso e a democracia volte a funcionar plenamente (meu palpite é que vai levar 10 anos) Haddad se coloca como um excelente nome para 2022 ou 2026. É válida a metáfora de que em 2014 o jogo estava 5 a zero pra eles. Haddad perdeu mas perdeu jogando bonito e indo pra cima. Melhor do que jogar bonito e marcar alguns gols como o plano diretor, a redução da velocidade e as ciclovias, Haddad tomou para a esquerda estas bandeiras. E estas são, queiram ou não, as bandeiras do futuro.
Foto: Agência Brasil