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Visitei na semana passada pela segunda vez o Museo de la Memória y Derechos Humanos em Santiago, Chile. O mesmo Museu, as mesmas exposições, duas visitas completamente diferentes.
Na primeira vez, em 2012, eu tinha ido dar uma palestra que ocorreu na hora do almoço e assim passei a tarde no museu. Projetado pela equipe de Mário Figueroa, arquiteto chileno radicado em São Paulo, o museu foi resultado de um concurso organizado pelo primeiro governo Bachelet. O terreno do lado oeste de Santiago era interessantíssimo, uma quadra inteira escavada, um buraco retangular de 120 x 200 x 10 de profundidade. Participei deste concurso com meu parceiro Humberto Hermeto e concordo que o projeto vencedor do Estúdio América (nome do escritório liderado por Figueroa na época) é muito melhor. O nosso tinha um percurso muito linear. O projeto executado se insere muito bem no terreno, convida o visitante a descer por generosas escadarias e depois subir dentro do prédio que tem seu pavimento principal ao nível da rua. Com isso, quando vemos visitamos a exposição principal, nosso olhar alterna entre as fortes exposições de documentos e registros da ditadura de Pinochet e as pessoas e carros que passam incólumes lá fora. A flexibilidade dos espaços internos nos permite percorrer o museu por percursos diversos, enquanto a enorme parede com fotos das vítimas serve de referência.
A museugrafia é muito bem feita mas forte mesmo é o conteúdo: fotos de milhares de mortos e desaparecidos, documentos detalhando como os corpos foram encontrados, cartas de crianças perguntando pelos pais e avós (o mais duro pra mim, disparado!). As torturas e execuções são descritas burocraticamente, revelando o quão institucionalizadas foram as violações de direitos humanos.
Saindo da visita fui jantar com professores da Universidad Católica que ficaram a noite inteira contemporizando, dizendo que Pinochet não foi tão ruim assim, que o Chile estava um caos em 1973 (sem nunca se perguntar quem fomentou este caos), que o museu contava apenas um lado da história. Com muito cuidado para não ofender meus anfitriões (ah como mudaram os tempos), argumentei que o museu devota espaços proporcionais aos crimes da ditadura e aos crimes dos grupos opositores. Mas não teve jeito, meus anfitriões não queriam falar deste passado cuja presença, mesmo que num museu, ainda os incomodava bastante.
Saí do Chile em 2012 refletindo sobre esta dificuldade em lidar com um passado de violaç?es e repressões e me perguntando porque o Brasil não tinha nada parecido. Ou melhor, qual seria a reação dos brasileiros mais à direita se o Brasil tivesse um museu parecido?
A resposta às minhas perguntas estão ai escancaradas na nossa frente. O Brasil pagando um preço altíssimo por não ter tratado a memória da ditadura com o devido rigor. Fizemos música sobre a repressão e cantamos como se fosse um passado morto e enterrado. E eis que este corpus oligárquico e ditatorial volta das trevas para nos assombrar.
Voltar ao Museo de la Memória y Derechos Humanos de Santiago na semana passada foi um doloroso dever. Dever porque esta memória precisa ser revisitada sempre, na esperança de que um dia ela seja apenas uma longínqua e afastada memória. Doloroso porque ela não tem nada de longínqua. Sofremos um golpe, uma séria e perigosa ruptura dos procedimentos democráticos. Minha geração nasceu sob a ditadura mas passou sua adolescência e juventude com as Diretas Já, a constituinte e o Fora Collor. Vivemos agora nosso primeiro golpe. Ou seria mesmo o primeiro?
Por isso a visita ao Museo de la Memória de Santiago foi tão dura. Porque perdemos a distância entre nós e a experiência do retrocesso, do arbítrio institucionalizado. Se da primeira vez eu saí triste pelo Chile, desta vez eu saí triste foi por nós brasileiros mesmo. Porque vivemos um golpe e agora assistimos a enormes retrocessos. Porque não soubemos elaborar as várias heranças da ditadura de forma a consolidar uma verdadeira democracia.
Já começou a batalha para escrever a história do golpe de 2016 e nem escrevemos direito a história do golpe de 64. Fica para a posteridade da blogosfera minha sugestão de que o Brasil construa um Museu dos Golpes: 1824, 1889, 1930, 1937, 1961, 1964, 1967, 1989 (primeiro golpe midiático da Globo), 1995 (golpe da reeleição), 2005 (golpe midiático frustrado), 2016.
É fundamental lembrar o quão rotineiros foram nossos golpes oligárquicos patrimonialistas.
Para que um dia eles sejam apenas peças de um triste mas importante museu.
Foto: Expedia