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Nos anos 90 líamos Paul Virilio e Jean Baudrillard discorrerem sobre a aceleração do processo capitalista mas confesso que isto me parecia um pouco distante da minha realidade brasileira. Enquanto Porto Alegre e Belo Horizonte faziam funcionar o empoderamento via orçamento participativo e o Rio de Janeiro avançava nas obras de acessibilidade nas favelas, o caminho parecia ser claro. O sonho era levar o processo participativo para todo o país e fazer o Favela-Bairro tomar uma escala nacional, atacando de uma só vez o desemprego, injetando renda nas camadas mais baixas da sociedade, aumentando o consumo pra girar a máquina produtiva, estendendo cidadania plena para a massa de excluídos ao mesmo tempo em que melhoraríamos a infraestrutura, principalmente de esgotamento sanitário.
Alguns dirão que a crise do mensalão em 2005 nos deixou de calças curtas, ficamos com apenas a metade da meta (mas quando chegarmos a metade vamos diminuir de novo a meta...desculpem meus amigos governistas mas esta frase merece a chacota).
Ficamos apenas com a obsessão desenvolvimentista enquanto abandonávamos os processos participativos, principalmente porque havia muita pressa. Fizemos quilômetros de obras como solução anticíclica sem nenhum (ou muito pouco) cuidado com o planejamento e com a participação social. A verdade, acredito, é que o PT abandonou o orçamento participativo ainda antes de chegar ao Planalto, o calendário eleitoral exige pressa na execução das obras e os processos de regulação e participação foram sendo atropelados..
Confortavelmente instalado no poder, a esquerda incorporou o discurso da parte produtiva do capital brasileiro: empreiteiras, usineiros, estaleiros, latifundiários. Para estes grupos interessa estimular a produção e garantir seus monopólios, seja de mercado seja de posse da terra. Funcionou muito bem enquanto havia espaço para crescer: mais estrada e mais soja significa mais imposto. Importante notar para onde vai este imposto. Uma parte pequena foi usada nos programas de transferência de renda e outra parte, menor ainda, nos programas educacionais PROUNI, FIES. A parte do leão foi e continua sendo usada para pagar os juros da dívida – acima de 40% do orçamento do governo federal. Mas nesta guerra entre o capital financeiro e o capital produtivo o PT ficou do lado da produção e Dilma entrou de cabeça na batalha ao tentar baixar os juros em 2012/2013. Agora paga um preço alto por isso: o capital tem pressa e se impõe por todos os lados. Paralisadas as empreiteiras pela Lava-Jato, o governo federal está sozinho no ringue, tomando sopapos de todo lado.
Aí entra a impaciência do capital. O termo cunhado pelo Prof. Rahul Mehrotra (Harvard University) explica a rapidez com que o dinheiro circula na atualidade e seus efeitos perversos na cidade contemporânea. Virilio e Baudrillard tinham razão em apontar a velocidade das transações econômicas computadorizadas como ferramenta da guerra contemporânea. Triste é ver um governo de esquerda totalmente refém desta lógica.
Por um lado a cidade de Belo Horizonte, governada por um ex-empresário “socialista”, propõe perdoar as multas de dezenas de hotéis que não ficaram prontos a tempo para a copa de 2014. A pedra foi super cantada lá atrás. Usando a copa do mundo como desculpa, a prefeitura de BH permitiu a construção de dezenas de hotéis com bônus de coeficiente de aproveitamento (verticalização acima do permitido pelo zoneamento).O incentivo, que também incluiu mudança de classificação de diversas ruas, previa multas se os hotéis não ficassem prontos a tempo. Muitos não ficaram e agora o prefeito Marcio Lacerda usa de outra desculpa, a crise, para perdoar as multas.
Mas o socialista Lacerda não está sozinho nesta onda, pelo contrário, anda muito bem acompanhado. Ano passado o governo Dilma estendeu o RDC – Regime Diferenciado de Contratação, para todas as obras do PAC, do SUS e da educação. O RDC permite que uma construtora seja contratada para uma referida obra sem o projeto completo. Ou seja, a construtora faz um anteprojeto ou projeto básico e ganha a obra por um valor X. Como não existe projeto de detalhamento ou de especificação de materiais basta construir da forma mais barata possível para garantir o maior lucro possível, com prejuízos certos para os usuários da referida obra e nenhuma economia pelo erário público.
Vale explicar que o político só se coloca como responsável pela obra entre a inauguração e a próxima eleição. A construtora só é responsável por 5 anos após o término. A população é quem tem de conviver com obras mal feitas e mal pensadas pelo resto da vida.
Como se não bastasse, em dezembro passado a presidenta Dilma Rousseff editou a medida provisória 700, que entre outras coisas dá às empreiteiras o poder de desapropriação. O documento da exposição de motivos diz na sua primeira linha que a MP pretende “estimular o investimento privado em infraestrutura no país, a partir da desburocratização da legislação relativa à desapropriação por utilidade pública”. Na lógica do capital impaciente, absorvida também pelo desenvolvimentismo exacerbado do governo Dilma, a regulação e os processos participativos são adiamentos e obstáculos incômodos.
Agora junte-se este poder de construir o que quiser com o poder de desapropriação. Difícil imaginar uma medida mais benéfica aos capitais impacientes e mais sinistra para as cidades.
Tudo em nome de uma eficiência: a eficiência do capital impaciente.
Foto de capa: http://www.flickr.com/photos/copagov/7462640562/