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Por onde ando, falando de urbanismo na América Latina, sempre me perguntam o que é necessário para termos cidades melhores. E eu respondo que precisamos de duas coisas: implantar um filtro de qualidade na escolha das obras públicas (não podemos contratar olhando só a planilha) e fomentar um diálogo entre poder público, universidades e a indústria da construção.
Pois se os exemplos maiores são Medellin (COL), Monterrey (MEX) e Rosario (ARG), temos no Brasil uma forte candidata: Fortaleza.
Em 2011 três bravos jovens arquitetos cearenses sonharam em trazer para sua cidade um pouco da discussão sobre arquitetura e urbanismo na América Latina. Bruno Braga, Bruno Perdigão e Igor Rios criaram então o FJAL - Fórum Jovens Arquitetos da América Latina, que em sua terceira edição mostra o quanto de realidade já estão colhendo.
O formato do FJAL consiste em trazer a Fortaleza sete ou oito dos melhores arquitetos do continente para apresentar seus trabalho para um auditório sempre lotado e ávido por conhecimento. Nos dois primeiro Fóruns, em 2011 e 2013 não pude ir pessoalmente e os organizadores foram bastante generosos em colocar na tela um vídeo com minhas observações de forma que, virtual ou pessoalmente, me orgulho de ter estado presente nas três edições.
Mas nada supera a experiência de estar ai com os colegas do presente e do futuro próximo, sentindo a conversa por uma cidade melhor pulsar num auditório com quase 600 pessoas. E por falar nisso, qual cidade do sul-maravilha consegue colocar 600 pessoas num auditório por 3 dias inteiros discutindo arquitetura e urbanismo?
Este ano o tema foi “Da Arquitetura ao Território” e os palestrantes, vindos do Chile, Argentina, Colômbia, México e Brasil deram um show de engajamento com a comunidade e poder de transformação do espaço urbano.
Depois da abertura feita pelas autoridades que incluíam o Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo CAU-BR, Haroldo Pinheiro e a Secretária de Urbanismo de Fortaleza, Agueda Muniz, tive a honra de proferir a palestra de abertura do evento. E por três dias discutimos as melhores práticas de Medellin (COL) com Camilo Restrepo; Rosario (ARG) com Los Arzubialde; Caruaru com o grupo Jirau; Talca (CHI) com o grupo de mesmo nome da cidade; Cidade do México com Javier Sanchez; Rio de Janeiro com Gabriel Duarte; e São Paulo com Vinicius Andrade.
Em comum a busca de soluções inteligentes para uma cidade melhor como os conjuntos Minha Casa Minha Vida do grupo Jirau (de fazer a Dilma pular de alegria); ou o trabalho participativo de Vinicius Andrade e Marcelo Moretin no Jardim Lidiane, comunidade ao pé da ponte Julio de Mesquita. Gabriel Duarte mostrou dois mapas importantíssimos: um que pela primeira vez integra as bases cartográficas do Rio de Janeiro (projeto novas cartografias) e outro que mostra para onde (extremo oeste) estão indo cada uma das famílias removidas pelas obras no centro-sul do Rio. Mapa é poder tanto Camilo Restrepo quando o Grupo Talca discorreram sobre as dificuldades e as enormes alegrias de projetar cidades melhores em áreas de conflito: FARC e Paramilitares no caso Colombiano ou narcotraficantes no caso da periferia de Caracas.
No final ficou a certeza de que estamos cada vez mais próximos dos nossos vizinhos, trabalhando em contextos muito parecidos de polarização e aparente paralisação política enquanto movimentos sociais seguem empoderando a população trabalhadora e superando, devagar e sempre, a história de exclusão do continente latino-americano.
No ir e vir de Fortaleza, passando pelo aeroporto de Brasília, escutei fragmentos de um país emburrecido pelo ódio político. Escutei coisas como “tem de matar esse povo do PT” ou “não tem barrinha de cereal porque a Dilma proibiu?” Quando tentei conversar com o vizinho de voo que repetia como um papagaio que “é urgente tirar o PT do governo”, perguntando quem ele colocaria no lugar, a conversa esfriou e morreu. O sujeito raivoso ao meu lado parecia que não tinha pensado nisto. Ou a avalanche de notícias criminalizando a esquerda o impede de fazer esta pergunta tão básica? Nos restaurantes e nos táxis o discurso de reação às mudanças da última década me pareceu uma conversa de robôs, algo como o atendente da Oi ou da Vivo que repete o texto que aparece na tela à sua frente sem fazer a menor conexão com a sua pergunta. Será que parte significativa do Brasil virou um imenso call center repetindo o texto da Globo? Quando é que teremos alguma sanidade para discutir propostas de forma racional e civilizada de novo? Quando é que vamos poder discutir o plano de ciclovias sem nos distrairmos com a cor da faixa?
Voltei de Fortaleza contaminado por bons diálogos e bons projetos para uma cidade melhor. Mas ai vem a câmara de vereadores de Belo Horizonte e aprova um projeto de lei exigindo carteira de motorista para andar de bicicleta na cidade. Vai pedalar pra trás assim lá longe!
Os três FJAL de Fortaleza me enchem de esperança mas vamos precisar continuar fomentando estas conversas ainda por muito tempo.
Cutucamos o atraso, e como diz o Rovai ele saiu da toca, e vai dar trabalho. Vamos precisar de muita conversa para recuperar alguma sanidade no discurso sobre urbanismo.
Foto: Roberto Faccenda/Flickr