Por Giovana Dias Branco e Rodrigo Amaral *
Na manhã do dia 6 de dezembro a PUC-SP promoveu, através do seu canal no YouTube, uma palestra do Doutor em política internacional Bamo Nouri, conduzida por Rodrigo Amaral, professor do departamento de Relações Internacionais da PUC-SP. O evento, também apoiado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), teve como objetivo apresentar e discutir onovo livro de Nouri, "Elite Theory and the 2003 Iraq Occupation by the United States - How US corporate elites created Iraq’s elitist political system" (A Teoria da Elite e a Ocupação do Iraque em 2003 pelos Estados Unidos – Como as elites dos EUA criaram um sistema político elitista no Iraque), publicado pela editora Routledge em setembro de 2021.
Resultado de sua pesquisa de doutorado, o livro nasceu de um questionamento pessoal do autor sobre o propósito da guerra do Iraque e da intervenção norte-americana, responsáveis por provocar uma vida em diáspora não apenas dele e sua família, mas também de tantos outros iraquianos que fugiram do conflito. Após muitos anos de estudo sobre o tema, o Dr. Nouri entrou em contato com as teorias de elite, as quais sinalizam que, independentemente da existência de sistemas e mecanismos democráticos, as decisões em dada sociedade são tomadas a partir de uma minoria capaz de dominar as maiorias a partir de seus posicionamentos econômicos, sociais e políticos. Voltando-se especificamente para os acontecimentos no Iraque em 2003, o autor buscou compreender quais eram as elites norte-americanas envolvidas, bem como as conexões que as mantiveram no poder após a intervenção.
Segundo Bamo Nouri, apesar da competição de ideias e narrativas que permearam os acontecimentos no contexto da presença norte-americana no Iraque, foi possível observar uma certa consistência no processo de tomada de decisões em política externa dos EUA para o Iraque, o que seria o indicativo de uma articulação preexistente entre os atores no poder. Dessa forma, seu processo de investigação consistiu no mapeamento biográfico dos principais atores e na análise discursiva dessas elites, com o objetivo de identificar as conexões existentes entre elas e os principais norteadores do seu posicionamento. Após esse processo, o professor Nouri identificou 37 indivíduos, parte da elite norte-americana associada especialmente aos interesses de grandes corporações e que atuam como decisores de política externa dos EUA, que teriam sido responsáveis por conduzir o processo de intervenção e também a posterior reconstrução do Iraque.
Tais elites apresentavam um conjunto de elementos em comum: todas eram norte-americanas com educação em grandes instituições de ensino, posições corporativas e participação em think tanks com inclinações imperialistas. De maneira que, sua pesquisa indica como as origens e influências sociais desta elite norte-americana impactaram suas visões de mundo, afetando diretamente na tomada de decisões em política externa dos EUA no Iraque.
Para o professor Bamo, a intervenção em 2003 foi pensada e comandada por estas elites com interesses corporativos, que promoveram um discurso orientalista pautado nas diferenças entre o "eu" e o "outro" como forma de distanciar o público americano e a sociedade internacional daquilo que ocorria no Iraque. A partir do momento em que é imposta a noção do diferente, é possível justificar o injustificável uma vez que esse "outro" não seria abarcado pelos mesmos direitos humanos tão promovidos pelos Estados Unidos. Portanto, tal discurso orientalista foi parte de uma construção de pensamento que serviu para determinados interesses, os quais foram mascarados pelo aparente objetivo de promover a democracia em uma sociedade instável.
Bamo Nouri também ressaltou em sua palestra que a narrativa orientalista foi seguida pelos bombardeios que causaram uma grande destruição do território iraquiano e de seu poderio militar, gerando a necessidade de se pensar na posterior reconstrução do país e do Estado. Nesse cenário, chama a atenção do pesquisador tanto o processo de reforma econômica traduzida em privatizações de setores estratégicos do Iraque, até então controlados de forma exclusiva pela população local, quanto a transformação constitucional do país, importando de um conjunto de leis e normas diretamente de Washington, como forma de implementar um regime nos moldes dos Estados Unidos em uma região multicultural e com diferentes costumes daqueles vistos no país ocidental. Foram participantes ativos desses movimentos as elites iraquianas que se opunham ao regime de Saddam Hussein, que revelaram seus interesses à medida em que buscavam afastar o país destruído dos caminhos mais inclinados ao nacionalismo baathista, caminho este normalmente percorrido por Estados em busca de estabilidade após situações de conflitos.
Ao todo, a palestra expositiva tem duração de 1 hora e quarenta e seis minutos e está disponível no canal de Youtube TV PUC, que inclui um conjunto de conteúdos abertos ao público. Com apresentação e questionamentos feitos pelo professor Rodrigo Amaral, pesquisador especialista em Iraque, Bamo Nouri apresenta as principais ideias e dificuldades de seu novo livro, inclusive respondendo algumas perguntas realizadas ao vivo pelos participantes. Sua visão se afasta dos argumentos mais utilizados para compreender os acontecimentos de 2003 no Iraque e em outras intervenções estrangeiras pelo mundo, geralmente preocupados em questões militares, ou de interpretações geopolíticas particularmente rasas.
Por fim, o que o Bamo Nouri faz é uma recuperação das origens sociais e das conexões da elite norte-americana no intuito de entender seus interesses aparentemente ocultos no processo de invasão e transformação a partir de modelos externos à realidade iraquiana. Acaba por concluir que esses atores são elites corporativas que promoveram a privatização e a reconstrução do Estado iraquiano no sentido de conservar o poder da própria elite norte-americana . Portanto, explica em sua obra quem são os atores da política externa norte-americana responsáveis pelas transformações sofridas pelo Iraque em 2003, ao passo que evidencia empiricamente como os interesses corporativos destes atores prevaleceram e criaram um novo sistema político elitista no Iraque.
*Giovana Dias Branco é mestranda em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP), pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI/PUC) e do Observatório de Conflitos do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).
*Rodrigo Amaral é professor de Relações Internacionais na PUCSP, doutorando em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP), pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI/PUC) e membro do GT Medio Oriente y Norte de Africa do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.