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Em 22 de abril, o Irã ameaçou fechar o estreito Estreito de Ormuz, importante canal estratégico para o transporte de petróleo, em represália às sanções impostas pela Casa Branca. Com o objetivo de minar a economia do país persa e conseguir uma vitória política frente ao regime, Trump vem adotando, desde sua eleição, uma postura unilateral de sanções e saída do acordo nuclear firmado em 2015, no governo Obama. Cresce a tensão na região, cujos desdobramentos podem ser vistos nas relações estadunidenses com as outras potências.
Por Getúlio Neto e Thiago Madeira
O Estreito de Ormuz
Na segunda-feira do dia 22 de abril, o Irã fez novas ameaças de fechar o Estreito de Ormuz, um dos canais mais importantes do comércio global de petróleo, caso as intenções norte-americanas de zerarem a exportação de petróleo do país se concretizem. Rota de transporte de um terço do petróleo transoceânico do mundo todos os dias, o Estreito de Ormuz liga os produtores de petróleo do Oriente Médio aos principais mercados da região Ásia-Pacífico, Europa, América do Norte entre outros, sendo assim um ponto estratégico para a região.
Pressão ao Irã
A ameaça das autoridades iranianas se dá como uma resposta aos Estados Unidos, em meio a crescentes tensões entre os países. No início do mesmo dia 22, o governo norte-americano anunciou planos para acabar com todas as isenções temporárias que permitiam que países importassem petróleo do Irã sem sofrer sanções de Washington. A isenção havia sido concedida para os oito principais países importadores do petróleo iraniano (China, Índia, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Turquia, Itália e Grécia).
Esta medida passou a vigorar a partir do dia 2 de maio. Acabar com as isenções é parte da política da Casa Branca para sufocar as receitas petrolíferas de Teerã, que giram em torno de U$50 bilhões anuais, com intuito de “reduzir as exportações de petróleo do país a zero”, segundo declaração de Frank Fannon, secretário de Estado adjunto para Recursos Energéticos dos EUA. O objetivo da política de Trump em relação ao Irã, ao minar sua economia, é impedir que o país continue a financiar sua influência regional.
O governo Trump apresenta uma política de confrontação ao Irã desde que assumiu a presidência, em 2017. Seu governo considera o Irã como uma ameaça à segurança regional do Oriente Médio , como visto na entrevista do Secretário de Estado, Mike Pompeo, em uma conferência sobre segurança no Oriente Médio, realizado em fevereiro deste ano em Varsóvia, Polônia. Segundo Pompeo, o apoio iraniano a grupos como Hamas, em Gaza, Hezbollah, no Líbano, ao governo de Assad, na Síria, às forças xiitas no Iraque, e aos Houthis, no contexto da Guerra Civil do Iêmen, configuram o potencial de ameaça conferido a Teerã dentro da região. É importante, contudo, ressaltar a relação mais ampla da questão. Tais grupos são considerados por Washington como proxies terroristas que ameaçam a sua influência na região através do confronto com seus maiores aliados regionais, Israel e Arábia Saudita. Assim, Trump utiliza da pressão sobre a economia iraniana para impor a Teerã o abandono de seu desenvolvimento de mísseis balísticos e do alegado enriquecimento de urânio para produção de armas nucleares, além da saída de suas tropas e do Hezbollah na Síria. Por trás destes interesses, especula-se também a tentativa de mudança de regime no país do Golfo Pérsico.
A possibilidade dos Estados Unidos de aplicar sanções unilateralmente aos seus adversários políticos é fruto do sistema financeiro internacional, baseado no dólar. No entanto, ela se torna fragilizada quando outras potências mundiais não compartilham do mesmo objetivo político e, portanto, buscam ferramentas para contornar as sanções impostas, como é o caso da Rússia, da China e da União Europeia.
Em 2018, Teerã já havia ameaçado bloquear o Estreito de Ormuz. Mesmo assim, o governo de Donald Trump impôs sanções ao setor de petróleo do Irã em novembro, meses depois de retirar unilateralmente os EUA do acordo nuclear firmado em 2015 (Plano de Ação Conjunto Global – JCPOA, em inglês), entre Teerã e o grupo P5 + 1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China, somados à Alemanha). A saída do acordo se deu claramente em oposição àquele que foi um dos marcos da política externa de Barack Obama. Donald Trump classificou o acordo como “um dos piores acordos jamais feitos na história dos Estados Unidos”. Para o atual presidente, a negociação pode ter demonstrado fraqueza da política externa de Obama e a submissão dos interesses norte-americanos frente aos interesses iranianos.
A saída do acordo JCPOA reflete mais sobre as divergências internas da política norte-americana e da forma como Trump age internacionalmente, do que sobre eventuais mudanças concretas da visão de Washington sobre Teerã. O primeiro mandato de Obama também foi marcado por sanções severas aplicadas ao Irã a fim de acabar com seu programa nuclear. Inclusive, ao longo de sua campanha para presidente, em 2007, Obama discursou sobre a necessidade de “aumentar o custo do Irã para dar continuidade ao seu programa nuclear, aplicando sanções mais duras e pressionando seus principais parceiros comerciais.” Como o analista Kian Tajbakhsh afirma, em artigo publicado na Foreign Affaris, a política externa norte-americana em relação ao Irã não é realizada na dicotomia confrontamento- cooperação, mas sim no peso dado a quatro prioridades: proliferação de armas nucleares, estabilidade regional e contraterrorismo, direitos humanos e democracia, e a normalização das relações bilaterais. Nesse sentido, o que realmente difere os governos de Obama e Trump é a ênfase dada a essas prioridades e a forma de comunicação adotada por Trump, mais agressiva que a de seu predecessor.
Unilateralismo
A possibilidade dos Estados Unidos de aplicar sanções unilateralmente aos seus adversários políticos é fruto do sistema financeiro internacional, baseado no dólar. No entanto, ela se torna fragilizada quando outras potências mundiais não compartilham do mesmo objetivo político e, portanto, buscam ferramentas para contornar as sanções impostas, como é o caso da Rússia, da China e da União Europeia.
Ao saírem de um acordo negociado multilateralmente com a participação das potências mundiais (P5+1), e imporem sanções completas à compra de petróleo iraniano, os Estados Unidos se colocam em uma posição de confrontamento de seus interesses com estes países. Particularmente no cenário atual, as reações das grandes potências demonstram a complexidade do tema sob a luz das divergências entre os atores e suas capacidades de negociação e resistência aos interesses norte-americanos.
A manutenção do acordo e do compromisso iraniano de continuar a respeitá-lo é de interesse dos governos russo, chinês e dos países europeus. Nesse sentido, Vladimir Putin expressou a necessidade de que os países europeus se comprometam a salvar o acordo, em conjunto com Rússia e China. Além disso, se coloca contra a imposição das sanções que impedem qualquer país de comprar petróleo iraniano. Vale ressaltar, ainda, que as sanções não produzem muito efeito nas relações comerciais entre Moscou e Teerã, já que passaram a comercializar com suas moedas nacionais em detrimento do dólar.
As isenções às sanções também geraram protestos em Pequim. Segundo o porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China, Geng Shuang, “A China se opõe com veemência à aplicação de sanções unilaterais por parte dos Estados Unidos”. Aos olhos de Pequim, a decisão de Donald Trump é uma clara interferência nos direitos e interesses chineses em comprar o petróleo iraniano. Em encontro em Pequim, no dia 17 de maio, o chanceler chinês Wang Yi encontrou-se com o Ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, e afirmou o compromisso chinês de continuar a cumprir o acordo entre os países, sendo enfático ao dizer que “A batalha pelo pacto nuclear iraniano é essencialmente uma luta entre o multilateralismo e o unilateralismo. O multilateralismo é a tendência que segue a história”. Isto, evidentemente, se mostra como uma clara crítica à postura norte-americana e pode trazer consequências negativas para as negociações comerciais entre os dois países, atualmente em um conflito nesta área.
Do lado europeu, também se verifica oposição à maneira como Trump vem conduzindo sua política em relação ao Irã. A mesma estratégia encontrada pela Rússia para contornar as sanções, está sendo utilizada pelos países da União Europeia. França, Alemanha e Reino Unido ratificaram em 04 de fevereiro deste ano a criação da “Instex” (Instrument in Support of Trade Exchanges). Segundo matéria da Deutsche Welle, este instrumento visa a permitir a continuação das transações entre os países do bloco europeu com o Irã sem o uso do dólar, portanto, se esquivando das sanções impostas por Washington. No entanto, a efetivação desta estratégia pressupõe a criação de uma outra entidade do lado iraniano, que não tenha vínculos com o Banco Central do país, alvo das sanções norte-americanas. Para a União Europeia, o Instex se apresenta como uma garantia para que o Irã continue a respeitar o acordo nuclear firmado em 2015.
Instabilidade
A ameaça feita pelo governo de Teerã de fechar o estreito de Ormuz foi vista com preocupação pelo Vice-Ministro das Relações Exteriores do Kuwait, Khaled al-Jarallah. De fato, isso bloquearia a saída do Golfo Pérsico não somente para o Kuwait, como também para Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.
Outro ponto de tensão na região é o alegado ataque por drones a dois navios petroleiros sauditas, além de um pertencente à Noruega e outro aos Emirados Árabes Unidos. Até o presente momento, o governo saudita não fez nenhuma acusação sobre a autoria do suposto ataque. No entanto, como é conhecida a inimizada entre Riad e Teerã, como bastiões das vertentes islâmicas sunita e xiita, respectivamente, qualquer ato de agressão pode gerar maiores tensões entre os países. O governo saudita é o maior crítico ao Irã, considerando sua política externa como sectária e expansionista que visa derrubar o status quo dos países com governos sunitas.
Ações do lado norte-americano também contribuem para o acirramento do nível de tensão no Oriente Médio. Exemplos disso são a declaração do governo dos Estados Unidos de que passou a considerar a Guarda Revolucionária do Irã uma organização terrorista o envio de um sistema de defesa antimísseis e navios de guerra dos Estados Unidos ao Golfo Pérsico. Trump afirmou que o deslocamento de forças militares para a região se dá em resposta a qualquer tentativa de agressão por parte do Irã.
O Irã se mantém resoluto quanto às demandas de Washington e não há perspectivas de que a situação mude, pelo menos a curto prazo. Apesar de improvável, o primeiro ministro da República Islâmica do Irã, Mohammad Javad Zarif, disse que uma das opções para Teerã, seria a saída do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Já no último dia 20 de maio, o governo iraniano anunciou que irá aumentar em quatro vezes o limite permitido pelo acordo de enriquecimento de urânio.
O desafio
A questão iraniana se torna central na política entre as grandes potências internacionais. Antes de sua eleição, uma das promessas de Trump era tomar uma postura mais agressiva com o Irã, baseado na crítica ao governo de Barack Obama e com a retórica de que o acordo nuclear era um risco à segurança nacional de seu país. No entanto, com a tentativa de impor os interesses nacionais frente ao resto do mundo, Trump se fragiliza ao isolar-se politicamente enquanto Rússia e China continuam a emergir como principais players internacionais e polos de oposição aos Estados Unidos. A normalização das relações entre os países e a diminuição da tensão regional no Golfo Pérsico requerem a participação de todas as partes interessadas, pautadas no diálogo e na diplomacia. No entanto, os meios coercitivos adotados pelos Estados Unidos e a retórica cada vez mais agressiva de Trump se colocam como barreiras para uma solução a longo prazo para a estabilidade da região.
Getulio Neto é Mestrando em Relações Internacionais do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Bacharel em Relações Internacionais pela UNESP (Franca). Pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI). Thiago Madeira é Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. Pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI).
Getulio Neto é Mestrando em Relações Internacionais do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Bacharel em Relações Internacionais pela UNESP (Franca). Pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI). Thiago Madeira é Bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. Pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI).