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Software do NSO Group seria ativado sem permissão do usuário e já teria sido usado para perseguição política de ativistas mexicanos e sauditas
Por Bruno Huberman
Deu no Financial Times: uma corporação de segurança cibernética israelense pode ter invadido o seu celular por meio de uma ligação não atendida no Whatsapp para te espionar. E se você não tiver atualizado o aplicativo para a nova versão lançada na última segunda-feira, o seu celular ainda pode estar sendo hackeado. A nova atualização foi lançada após engenheiros da empresa comandada por Mark Zuckenberg terem descoberto a brecha há algumas semanas.
A empresa em questão é a NSO Group, que emprega não mais de 500 pessoas no seu escritório na região de Herzylia, próximo a Tel Aviv, em Israel, mas que possui um valor de mercado de mais de 1 bilhão de dólares. Esse potencial se deve ao desenvolvimento do software chamado Pegasus, cuja importância estratégica é tanta que o Ministério da Defesa israelense regula a sua comercialização apenas para aliados próximos.
Embora o Pegasus não seja um software recente, a novidade reside na sua capacidade de hackear um celular por meio de apenas uma ligação não atendida ao seu Whatsapp, permitindo o acesso até mesmo a conteúdo criptografado, além das suas mensagens, ligações, localizações, fotos, câmera e microfone. Isto é, o usuário não precisa ser iludido a ativar o hackeamento do seu próprio aparelho, mas o vírus se ativa de forma autônoma. O Pegasus seria capaz de invadir até mesmo Iphones, considerados os aparelhos mais seguros, o que a Apple nega.
Segundo o Financial Times, o hackeamento do Whatsapp serviu como uma ação de marketing do NSO Group, que possui entre seus clientes agências de espionagem dos EUA, do Reino Unido e da Arábia Saudita. Mais da metade das relações comerciais da empresa seriam com países do Oriente Médio, que ainda possuiria enquanto clientes 21 países da União Europeia.
Essa capacidade de desenvolvimento tecnologias de última geração do campo da cibersegurança, vigilância e espionagem tem permitido uma crescente influência política de Israel, colocando o país na mesa de decisões de ações de segurança secretas e ostensivas dos principais atores do sistema internacional.
Além disso, permite a Israel construir relações com países que supostamente não possuiria, como as ditaduras árabes do Golfo ricas em petróleo e que possuem enormes investimentos na área de segurança, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, que figuram na lista de clientes da NSO Group.
Cibersegurança: um mercado bilionário e perigoso
Embora a corporação israelense afirme que o seu software seja usado principalmente em ações como prevenção de ataques terroristas, resgate de pessoas sequestradas e combate ao crime organizado — entre seus clientes está o México, que teria adquirido o software para operações contra cartéis de drogas —, ativistas mexicanos e sauditas reivindicam que o programa também serve para perseguição política.
Segundo o ativista saudita refugiado no Canadá Omar Abdulaziz, o governo saudita teria utilizado o Pegasus para infiltrar no seu celular e no do jornalista Jamal Khashoggi, oposicionista do regime morto em 2018 dentro da embaixada da Arábia Saudita em Istambul. A empresa israelense nega envolvimento na morte de Khashoggi. O alcance da companhia, entretanto, é difícil de ser medido, pois a maioria dos seus dados são sigilosos e até o ano passado não possuía um website.
Para além das questões políticas, o mercado da cibervigilância tem se mostrado altamente lucrativo para o NSO Group. Apenas entre 2014 e 2018, a empresa israelense teria elevado o seu faturamento de 109 milhões de dólares para 251 milhões de dólares. No entanto, a corporações garante que todos os seus clientes passam por um comitê de ética independente, o que teria a levado deixar de ganhar milhões de dólares. “Esse comitê é uma piada”, observa, por outro lado, o advogado palestino Alaa Mahajna, que representa clientes mexicanos e sauditas contra a empresa em tribunais israelenses por violações de direitos humanos.
Pesquisadores do Citizen Lab, da Universidade de Toronto, no Canadá, já encontraram o vírus em diversos locais e reafirmam a sua capacidade de agir de forma autônoma, agressiva e até mesmo descontrolada. “Essas companhias estão dizendo ao mundo que seus produtos fazem do mundo mais seguro, mas as pessoas que sabem como essas companhias agem param de usar seus celulares e isso não me parece mais seguro”, observa o pesquisador John Scott-Raitlon, do Citizen Lab.
É revelador o caso do ex-ministro da Defesa de Israel Avigdor Lieberman, líder de um partido de extrema direita e morador de um assentamento judeu nos Territórios Palestinos Ocupados da Cisjordânia, que deixou de usar smartphones e passou a recorrer a um antigo, ultrapassado e deteriorado Nokia para realizar ligações e mandar mensagens.