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Relações nos setores militar e de segurança com Israel influenciam as políticas interna e externa brasileiras
Por Bruno Huberman
Na grande mídia brasileira, a questão Israel-Palestina é normalmente retratada de forma superficial e idealista, com os autores projetando seus desejos ao invés de descrever a realidade concreta do conflito. Infelizmente, é raro encontrar na grande mídia brasileira textos que abordem o assunto de forma coerente e direta tal qual o artigo publicado por Matias Spektor nessa quinta-feira, 21 de junho, na Folha de S. Paulo.
Spektor tem o objetivo de chamar atenção para a importância simbólica que a questão Israel-Palestina tem tido na eleição presidencial brasileira. O líder das pesquisas, Jair Bolsonaro, declarou que Israel seria o primeiro país que visitaria caso eleito e que seguiria o presidente dos EUA, Donald Trump, na decisão de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém. Bolsonaro não estaria interessado no voto judeu, mas no da comunidade evangélica, que admira e apoia Israel por motivos religiosos.
Por outro lado, o candidato do Psol, Guilherme Boulos, viajou para a Palestina no início de sua campanha à convite da campanha por Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) à Israel. O seu partido, inclusive, recentemente aprovou uma resolução em que declara apoio ao movimento de BDS, em contraposição a setores internos mais próximos dos interesses israelenses.
Boulos e o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, na Palestina em 2018
Apesar de corretamente apontar que nem sempre a direita brasileira foi pró-Israel — a ditadura militar votou a favor de resolução da ONU que equiparava o sionismo a uma forma de racismo em 1975 — e tampouco a esquerda defendeu totalmente a causa palestina — Lula sempre buscou manter boas relações com os israelenses —, discordo de Spektor quando afirma que a importância de Israel-Palestina é exclusivamente simbólica e não há bases materiais, econômicas ou políticas, que justifiquem o interesse observado nos candidatos brasileiros à presidência. A ‘política de segurança’ de Israel no Brasil: construindo influência por meio do comércio de armas O Brasil é visto pelos israelenses como um país estratégico na América Latina, capaz de representar os seus interesses e influenciar toda a região nesse sentido. No entanto, a forma de atuação da política externa israelense para o Brasil não se restringe aos discursos oficiais e gestos diplomáticos que os analistas das relações internacionais tanto dão valor e que podem resultar em avaliações equivocadas a respeito das relações bilaterais entre as nações. Israel busca construir influência por meio da exportação de técnicas e tecnologias militares e de segurança. A ‘política da segurança’ israelense prima pela atuação nos bastidores e almeja condicionar a transferência de conhecimentos em segurança por um alinhamento aos seus interesses em fóruns diplomáticos oficiais — incluindo a defesa da colonização dos territórios palestinos e o isolamento de inimigos, como o Irã. Israel não é o único país do mundo a manter uma relação desse tipo com outras nações —EUA e Finlândia são outros casos. No entanto, é o único a desenvolver seus produtos a partir da colonização permanente de uma outra população — os palestinos — em violação permanente da lei internacional e dos direitos humanos da população nativa. As trocas comerciais entre Brasil e Israel nesse setor podem não ser vultuosas e nem encabeçarem os ranking internacionais, mas estão longe de ser irrelevantes. Em 2010, o Sipri (Stockholm International Peace Research Institute) apontou o Brasil como o quinto maior importador de armas de Israel, atrás de Índia, Cingapura e Colômbia. Segundo a Missão Econômica de Israel em São Paulo, tecnologia de segurança significou 18% dos US$1,1 bilhões (cerca de US$ 200 milhões) em exportações de Israel para o Brasil em 2013. O Brasil foi o nono maior importador de armas israelenses no mundo em 2017, enquanto que Israel é o sexto maior parceiro comercial brasileiro nesse setor.Um dos VANT's 'Hermes' israelense importado pelas Forças Armadas brasileiras por R$ 50 milhões
A relevância desse setor nas relações bilaterais entre Brasil e Israel chegou ao ponto do ex-ministro da Defesa Celso Amorim declarar que "está na hora de as Forças Armadas brasileiras reduzirem sua dependência de Israel". Essa afirmação ocorreu em 2015 durante o episódio de recusa, pela ex-presidenta Dilma Rousseff, da indicação do colono judeu Dani Dayan como o embaixador israelense no Brasil. Embora visse com bons olhos o aprofundamento das relações comerciais com Israel, Amorim viu como inaceitável o uso da exportação de tecnologia como fator de pressão. "Aceitar como embaixador uma pessoa que foi líder de políticas de assentamentos em Israel seria uma aceitação tácita dessa política, à qual o Brasil se opõe. Não é possível aprovar esse embaixador", afirmou Amorim. Portanto, para o homem que foi um dos mais longevos e decisivos ministro das Relações Exteriores do Brasil, o país é alvo de tentativa de manipulação da ‘política de segurança’ de Israel. Embora a política externa dos governos petistas não tenham se alinhado incondicionalmente aos interesses israelenses, é possível perceber como as condições materiais possuem uma importante relevância na relação do Brasil com a questão Israel-Palestina, chegando inclusive a provocar conflitos de ordem diplomática nesse jogo de pressão. Israel como parceiro do projeto petista do Brasil potência global Esse cenário não se construiu, como alguns podem acreditar, apenas pelo interesse de melhor posicionar os brasileiros como mediadores de confiança do conflito entre Israel e palestinos — parte importante da política externa ‘ativa e altiva’ de Amorim durante os governos Lula. A importação de tecnologia militar e de segurança israelense foi central para outras dimensões do projeto dos petistas de aumentar a projeção internacional do Brasil de forma a tornar o país uma potência global. Primeiramente, os israelenses contribuíram para a modernização das Forças Armadas brasileiras para maior participação em assuntos internacionais de segurança, como a Missão de Paz no Haiti. Dados oficiais do Ministério da Defesa divulgados em 2014 revelam quase R$ 1 bilhão em contratos militares entre diversas empresas israelenses e as Forças Armadas brasileiras para o fornecimento de metralhadoras, morteiros, canhões, drones, aeronaves, blindados e sistemas de vigilância. Outra importante participação de Israel foi na pacificação dos conflitos violentos internos para a promoção de diversos megaeventos internacionais no país — do fórum multilateral Rio+ 20 (2012) a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. As polícias de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, renovaram as suas frotas de blindados com veículos israelenses para esses eventos. Além disso, policiais e militares receberam treinamento de especialistas israelenses em contraterrorismo e contrainsurgência. No vídeo abaixo, policial paulista explica as vantagens do novo 'xodó' do Choque. https://www.youtube.com/watch?v=sPSM1ct2KS4 Para além dos simbolismos: o impacto da ‘política de segurança’ de Israel sobre a vida dos brasileiros Essa política, obviamente, não terminou com o golpe parlamentar de 2016. Na LAAD Security – Feira Internacional de Segurança ocorrida em 2018 em São Paulo, estiveram presentes as empresas israelenses Carmor e Smart Shooter, além da joint-venture brasileira-israelense StefaniniRafael. Segundo seus representantes, as corporações israelenses estavam de olho nos R$ 42 bilhões destinados pelo governo Temer para a modernização das forças policiais de todo o país até 2022. Se formos olhar para a comunidade evangélica, inclusive, o interesse em Israel não se resume a uma questão de fé. Após ser eleito prefeito do Rio de Janeiro em 2016, o pastor Marcelo Crivella viajou a Israel para descansar. Na volta, declarou a pares que a sua cidade deveria mirar-se no exemplo de Jerusalém e ser murada para excluir grupos e regiões consideradas violentas. Em viagem a Israel em 2017, a família Bolsonaro também declarou se inspirar no modelo de segurança israelense. Nunca é demais lembrar que o Muro erguido por Israel na Cisjordânia é ilegal segundo a lei internacional e viola inúmeros direitos humanos dos palestinos. Logo, apesar da relevância simbólica que a questão Israel-Palestina possa ter na corrida presidencial de 2018, como alega Spektor, ela não se restringe a esse ponto. Israel desempenha um papel importante na militarização da vida cotidiana das grandes cidades brasileiras. Diversas pessoas, particularmente os jovens, negros e favelados, são assassinados por policiais e militares com armas e treinamento israelenses — técnicas e tecnologias essas desenvolvidas e testadas no controle social da população palestina. Portanto, aqueles que forem decidir o voto a partir posicionamento de seus candidatos com a questão Israel-Palestina devem levar em conta a posição deles sobre as relações de segurança do Brasil com Israel. O posicionamento em torno da campanha BDS serve como um bom indicativo.