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Análises mainstream enxergam na figura de Barack Obama um presidente pacifista. Porém, pergunte às vítimas de Washington...
Por Diego Araujo Gois
A poucos dias de encerrar o seu mandato como presidente dos EUA, Barack Obama fez na noite de 10 de janeiro o seu discurso de despedida em Chicago. Palavras de ordem como “Yes we did” (sim nós fizemos) ditaram o tom do pronunciamento, que além de destacar o estado da democracia americana também chamou a atenção para os feitos de sua administração nesses oito anos. Temas como geração de empregos, casamento entre pessoas do mesmo sexo, acordo nuclear com o Irã, nova página nas relações com Cuba e até mesmo uma referência à morte de Osama Bin Laden foram lembrados por Obama, passando a mensagem de que “A América é um lugar melhor e mais forte hoje do que era quando começamos”.
Um aspecto marcante quando a mídia e até mesmo analistas fazem menção ao governo Obama é destacar as suas virtudes e os seus predicados pessoais. A imagem de líder comprometido com o multilateralismo e com a diplomacia, o fato de ter sido o primeiro presidente negro da história dos EUA, boa oratória, estudou em Harvad, recebeu o premio Nobel da paz em 2009, o fato de ter discursado na universidade do Cairo, ter visitado Hiroshima, etc... Todos estes itens elevaram não só a admiração pela sua personalidade, como também a expectativa em torno da sua capacidade de transformar a política americana e mundial. O lema “Yes we can” encheu de esperança não apenas eleitores do Partido Democrata, mas também, pessoas de diversas regiões do mundo.
Entretanto, o foco excessivo nas características pessoais de Obama costuma levar a maioria das pessoas e analistas a uma espécie de miopia quando se trata de olhar para as ações do seu governo. Alguns fatos nos permitem observar com mais clareza as ações que fizeram parte de seu governo e perceber que algumas tendências estruturais, opostas aos ideais pacifistas, foram mantidas e intensificadas no seu mandato. Por exemplo, o governo Obama deportou, nos seus primeiros quatro anos, o dobro de imigrantes ilegais que o seu antecessor George W. Bush nos seus oito anos de mandato. Além de espionar aliados, inclusive o Brasil e ainda manter em funcionamento a prisão de Guantánamo, contrariando uma das suas promessas de campanha.
O especialista em Segurança Internacional Michael Zenko, que escreve para o Council on Foreign Relations, apurou nos arquivos do Pentágono que só em 2016, os EUA lançaram 26.172 bombas em sete países. Foram 12.192 bombas lançadas na Síria, 12.095 no Iraque, 1.337 no Afeganistão, 496 na Líbia, 35 no Iêmen, 14 na Somália e 3 no Paquistão. Zenko ainda destaca que a doutrina Obama, apesar de reduzir o numero de militares no Iraque, aumentou o uso de ataques aéreos, principalmente através de drones. Esse aspecto, segundo Medea Benjamin colunista do The Guardian, pode ter significado a redução de soldados americanos mortos em combate, porém “não temos ideia de quantos civis foram mortos nos bombardeios maciços no Iraque e na Síria”. Um exemplo disso foi o trágico bombardeio ao hospital da organização humanitária Médicos sem Fronteiras, em Kunduz no Afeganistão, deixando 42 mortos e 37 feridos e que foi, posteriormente, reconhecido como um “erro” pelo exercito americano.
Um outro aspecto nada pacifista que marca o governo Obama é o fato de que foi o seu governo o que mais vendeu armas desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com o Serviço de Pesquisa do Congresso americano, a maioria das armas negociadas sob a gestão Obama acabaram no Oriente Médio, incluindo mísseis terra-ar, tanques e aviões de combate supersônicos. O valor total negociado no período de 2008-2015 foi superior aos 200 bilhões de dólares. Cole Bockenfeld, que é diretor do projeto Middle East Democracy disse que “o que mudou durante o governo Obama é que o aumento da vendas de armas tornou-se um componente padronizado da diplomacia em todos os níveis do governo, não apenas no departamento de defesa, para que os diplomatas dos EUA se tornem vendedores, esse foi um novo elemento que realmente aumentou as exportações".
Ao mesmo tempo em que Obama simbolizava uma mudança substancial na política externa americana, não foi capaz de se opor a estrutura do establishment político-industrial-militar. Ou seja, a forma como são conduzidos os assuntos rotineiros de política externa e militares dos EUA não se alterou com os exercícios de retórica do então presidente. O lobby da indústria de armas e o papel que as forças armadas exercem na burocracia estatal são elementos que fazem parte do cotidiano da política americana estando acima das divergências partidárias e das qualidades individuais dos presidentes.
Personificar o debate sobre o legado do governo de Barack Obama pode nos levar a uma visão fantasiosa da realidade. Os aspectos simbólicos do seu governo e do seu discurso muito provavelmente estarão em evidência nas analises e explicações dominantes na grande mídia. Porém, o perigo de concentrar o olhar nestes recursos explicativos é negligenciar as ações que de fato vão construindo a política e o mundo real.
Diego Araujo Gois é mestrando do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e pesquisador do GECI