Se a extrema direita não quer ser comparada aos nazis, precisa parar de se parecer com eles
Há muito mais em comum entre a extrema direita e os nazistas além do gesto de Elon Musk, a começar pelo uso da mentira como estratégia de comunicação
CYNARA MENEZES
Elon Musk está cansado. Ergueu a mão direita com o braço esticado na posse como secretário de Donald Trump e agora todo mundo fica comparando ele a Adolf Hitler. Só porque o gesto era igualzinho ao Sieg Heil (tanto que ninguém até agora se atreveu a repeti-lo publicamente). Elon Musk está cansado. Compará-lo a Hitler é um velho truque sujo, ele disse no X. "Tããão cansativo."
A questão é que não é só o gesto de Musk que torna a extrema direita extremamente parecida aos nazistas. Esse foi apenas um ato falho. Há muito mais características em comum entre os extremistas de direita e os nazis, a começar pelo uso da mentira como estratégia de comunicação. Quem foi mesmo que disse "uma mentira contada mil vezes se torna verdade"? Algum ideólogo de esquerda ou... o nazista Joseph Goebbels?
Goebbels era o ministro da Propaganda de Hitler. Na época, a dominação era pelo rádio; hoje, a lavagem cerebral se dá pela internet. Assim como gigantes como a Bayer ou a Volkswagen tiveram papel fundamental na ascensão do nazismo, hoje são os bilionários donos das grandes corporações de tecnologia que se unem à extrema direita, manipulando informações e algoritmos para conquistar corações e mentes. As redes sociais são a realização do sonho dourado de Goebbels de dominação pela mentira: conteúdos de ódio e desinformação circulam muito mais do que quaisquer outros.
Não há como não lembrar dos nazistas quando Benjamin Netanyahu tenta anexar território palestino e dizimar um povo; ou quando Donald Trump se refere a tirar os palestinos da faixa de Gaza e enviá-los para o Egito e Jordânia para "fazer uma limpeza". O que diriam as nações ocidentais se fosse outro político, e não um israelense, que tivesse mandado matar milhares de crianças e mulheres em um país fronteiriço? Lula disse: genocídio. E conectou o que está acontecendo em Gaza à perseguição dos judeus por Hitler.
A comparação da extrema direita atual aos nazistas é inevitável. Quem mandou serem tão parecidos? Se a extrema direita não quer ser comparada aos nazis, precisa parar de ser tão parecida. Também traz Hitler à mente essa sede de expansionismo territorial de Netanyahu e Trump, que quer anexar a Groenlândia e, se depender dele, o Canadá.
Anschluss (termo alemão para anexação), aprendemos na escola, foi o primeiro ato de expansão territorial praticado pelo regime nazista, quando, em março de 1938, a Alemanha simplesmente anexou a Áustria. As demais potências mundais aceitaram o ato de desprezo de Hitler pela ordem política europeia e pelos tratados internacionais. Opa, alguém lembrou novamente de Trump?
A perseguição aos transgêneros que agora ocorre nos EUA sob o governo de extrema direita também aconteceu na Alemanha hitlerista. No começo dos anos 1930, Berlim vivia um momento de franca liberdade sexual, a ponto de até um comandante do Exército nazi ser homossexual assumido. Mas quando Hitler descobre que o pânico pode lhe angariar mais adeptos, os homossexuais passam a ser considerados “depravados”, “anormais”, são caçados, presos, mortos ou enviados a campos de concentração. Lá, são submetidos a torturas, abuso sexual, castração e experimentos médicos macabros.
Trump persegue abertamente os transgêneros; persegui-los foi promessa de campanha justamente porque ele, como Hitler no rádio, vale-se do pânico moral para "engajar", arregimentar seguidores. Foi eleito assim. Menos de uma semana depois de sua posse e o novo presidente dos EUA já baniu os transgêneros das Forças Armadas sugerindo que eles têm problemas mentais; determinou que mulheres trans sejam presas como homens e que o governo reconheça apenas os gêneros masculino e feminino; e instruiu funcionários públicos a delatar colegas que tentem burlar a ordem, assinada no dia da posse, de encerrar programas de diversidade no governo.
Os bilionários de extrema direita que se uniram a Trump não podem se dizer enganados. Eles, como as empresas que se associaram ao nazismo no século 20, seguem o mesmo manual. Mark Zuckerberg anunciou que suas redes sociais (instagram e facebook) estão deixando de ter políticas de diversidade, que não mais adotarão checagem de fatos e que permitirão que homossexualidade e transexualidade sejam associadas a "doenças mentais". Como impedir a gente de lembrar dos nazistas, se eles tinham idêntico pensamento sobre os LGBTs? O que mais falta? Fazê-los usar triângulos rosa bordados sobre a roupa? Colocar os transgêneros em câmaras de gás?
Não vou nem mencionar a ascendência dessa galera. Os avós maternos de Elon Musk foram filiados ao Partido Nazista canadense, país que, após a derrota de Hitler, trocaram pela África do Sul do apartheid, onde o pai do bilionário fez fortuna. O pai de Donald Trump era um racista descarado que ganhou dinheiro no ramo imobiliário explorando os pobres e que chegou a ser processado pela Divisão de Direitos Civis do Departamento de Justiça dos EUA por se recusar a aceitar negros em seus empreendimentos, subsidiados com dinheiro público no pós-guerra. Quem sai aos seus não degenera...
Os Estados Unidos, como o próprio site oficial do Museu do Holocausto se queixa, demorou a tomar partido contra os nazistas. Se recusaram a asilar judeus perseguidos por Hitler até agosto de 1944, um ano antes do fim da guerra, quando aceitaram receber 982 refugiados de 18 diferentes países. Foi a única vez durante a Segunda Guerra em que isso aconteceu. Durante a primavera de 1944, o governo norte-americano recebeu dezenas de recomendações sobre como salvar os judeus, incluindo apelos para bombardear ferrovias que os transportavam para os campos de concentração. As sugestões foram ignoradas.
Ora, se você não quer ser comparado aos nazis, não se junte a eles. O que dizer do refrão "Alemanha acima de tudo" da canção favorita de Hitler, entoada por seus simpatizantes nos comícios? Se eu disser que lembra o "Brasil acima de tudo" de Jair Bolsonaro os extremistas de direita dirão o quê?
"Os Estados Unidos poderiam ter divulgado informações sobre as atrocidades nazis, pressionado os outros Aliados e nações neutras para ajudarem os judeus ameaçados e apoiado grupos de resistência contra os nazis. Antes da guerra, o governo dos EUA poderia ter aumentado ou preenchido as suas cotas de imigração para permitir que mais refugiados judeus entrassem no país", diz o site do Museu.
Elon Musk, que está cansado de ser comparado aos nazistas, empreende seu próprio projeto de expansionismo tentando influenciar nas eleições, vejam só, da Alemanha. Musk não está logicamente do lado dos sociais-democratas representados por Olaf Scholz; Musk não está tampouco do lado da direita democrata cristã. O lado que o bilionário dono do X escolheu foi o da extrema direita representada pela AfD, partido com ligações com o neonazismo. "Esqueçam a culpa", disse Musk em um comício da AfD, em referência ao passado nazista do país.
Ora, se você não quer ser comparado aos nazis, não se junte a eles. O que dizer do refrão "Alemanha acima de tudo" da canção favorita de Hitler, "a mais sagrada", entoada por seus simpatizantes nos comícios nazistas? Se eu disser que lembra o "Brasil acima de tudo" de Jair Bolsonaro os extremistas de direita dirão o quê? "É tããão cansativo"...