MARTÍN FERNÁNDEZ LORENZO
"É perfeito. Você não para de contar mentiras e o que acontece é que o conceito de verdade simplesmente desaparece."
As palavras de Noam Chomsky sobre Donald Trump em 2020 poderiam ser facilmente aplicadas ao atual presidente argentino, Javier Milei, que dissemina uma história fictícia sobre a realidade argentina e seu governo, uma máquina voraz de gerar pobreza em tempo recorde.
Em agosto, no Conselho das Américas, Milei discursou: "Todos veem o milagre, exceto os argentinos". A realidade é que de milagre não há absolutamente nada, pelo contrário, é uma tragédia. E a história repetitiva de seu sucesso econômico no curto prazo (9 meses), é uma constante desde 10 de dezembro, quando tormou posse.
Milei dissemina uma história fictícia sobre a realidade argentina e seu governo, uma máquina voraz de gerar pobreza em tempo recorde. Com resultados pífios, apelou à guerra ideológica em seu primeiro discurso na ONU, acusando a entidade de tentar impor o "socialismo"
Na Assembleia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira, o presidente argentino recorreu ao velho truque da extrema direita quando não tem resultados econômicos para exibir: apelou à guerra ideológica, acusando a ONU de ser um "Leviatã" e de tentar impor o "socialismo" aos países mais pobres. As groselhas com ranço de guerra fria também incluíram outro mote de predileção dos conservadores do mundo, os ataques à "agenda woke", ou seja, a luta pelos direitos das minorias.
Milei criticou ainda a ONU por aceitar no Conselho de Direitos Humanos a Venezuela, uma "ditadura sangrenta", enquanto paradoxalmente fazia a Argentina se alinhar ao país governado por Nicolás Maduro ao não assinar o Pacto para o Futuro, como fizeram outros 143 países, incluindo os EUA, Israel e o Brasil. Não se pode mesmo cobrar coerência da extrema direita, mas não há discurso ideológico (ou mentira) capaz de esconder a tragédia que é o governo Milei.
Quando assumiu o cargo, o presidente argentino disse que o país estava indo direto para uma hiperinflação de 17.000% com uma taxa de pobreza que chegaria a 95% da população, da qual o provável ganhador do Prêmio Nobel de Economia (como ele se considera), supostamente nos salvou. Não há economista de esquerda, centro ou direita no país que possa explicar esses dados que o homem manipula.
Ninguém, porque eles simplesmente não existem. A inflação em 2020 foi de 36,1%, a de 2021, 50,8%, em 2022, 91,8% e em 2023, 211,4%. Os dados reais sobre a inflação em 2023 são interessantes, pois embora a história mal contada do partido no poder seja de que o índice mensal de dezembro é decorrente da atuação do ex-ministro da Economia Sergio Massa, isso é totalmente falso, já que ao assumir o cargo em 10 de dezembro e desvalorizar a moeda em 118%, Milei conseguiu dobrar o recorde mensal de 12,8%, (o maior desde 1991), levando-o para 25,5% desde o início. Em todos os seus índices de gestão, eles omitem a brutal percentagem de dezembro, que é totalmente sua.
Chegar a um salto de 17.000% é tão incoerente quanto fantástico. Mas quem conhece a história de Milei como comentarista bizarro de TV sabe que como “economista” ele sempre foi um grande plágiador. Neste caso plagiou ninguém menos que Martinez de Hoz, ministro da Economia da ditadura de Videla, que afirmava, no ano de 1976, exatamente a mesma coisa, dizendo que nos salvou de 17.000% de inflação.
É um mitômano sem nenhuma vergonha e aposta todas as suas armas em uma comunicação de massa que distorce e abusa grotescamente da realidade. "Estamos reduzindo a inflação", comemora o governo todos os meses. Sim, eles estão baixando a inflação que eles mesmos subiram. Para se ter uma ideia, na gestão econômica desastrosa de Massa, que vinha dobrando a inflação anual, durante seus onze meses de governo em 2023, a inflação chegou a 148,2%. A inflação acumulada de Milei em 9 meses é de 144%.
A questão é: a que custo eles estão baixando a inflação que eles mesmos provocaram? Que benefícios a obtenção do superávit fiscal do qual se orgulham trouxe ao povo? E aqui vêm os dados reais, que são devastadores:
– A gasolina aumentou 158% desde o início da administração de Javier Milei
– Tirou todos os recursos públicos do Ministério da Ciência e o país teme nova fuga de cérebros
– No primeiro trimestre, reduziu drasticamente os fundos alocados para escolas e universidades
– Queda no consumo: no primeiro semestre, as vendas nos supermercados caíram 11,6%
– Aposentados mais pobres: na era Javier Milei, a diferença entre a cesta básica e o rendimento aumentou quase 10%
– 28 mil funcionários públicos foram demitidos nos primeiros 6 meses
– Mais de 182 mil empregos formais foram perdidos nos primeiros 7 meses do atual governo libertário
– A taxa oficial de desemprego está em 7,7%, acima dos 5,7% registrados no último trimestre do ano passado
– O PIB da Argentina recuou 5,1% no 1º trimestre e o país entrou em recessão técnica
– O setor de construção civil foi o mais atingido desde que Milei suspendeu as obras públicas como parte de sua política de redução do déficit fiscal. Mais de 56% dos empregos perdidos foram no setor, seguido pela indústria, com quase 43% dos desligamentos
– 10 mil PYMES (pequenas e médias empresas) fecharam em 6 meses
– A Argentina será o único país da América do Sul que sofrerá uma queda na economia em 2024
Milei criticou a ONU por aceitar no Conselho de Direitos Humanos a Venezuela, uma "ditadura sangrenta", enquanto paradoxalmente fazia a Argentina se alinhar ao país governado por Maduro ao não assinar o Pacto para o Futuro, como fizeram outros 143 países, incluindo EUA, Israel e Brasil
– O peso das tarifas de eletricidade e gás nos salários é o mais alto em 30 anos
– Passagens de ônibus e trens em Buenos Aires e sua periferia aumentaram 200%
– Venda de medicamentos despencou 35% entre dezembro e abril e o governo interrompeu a distribuição de remédios a doentes crônicos
– A Argentina hoje é o país mais caro da América Latina e com o menor salário mínimo da região
– No primeiro trimestre de 2024, a desigualdade de rendimentos cresceu para o seu nível mais preocupante em 16 anos
– Consumo de laticínios caiu 17,6% no primeiro semestre do ano
– Cesta básica aumentou 76,1% no primeiro semestre de 2024
– O consumo de carne é o mais baixo dos últimos 100 anos
– O índice de produção industrial recuou 15,4% no mesmo período. O colapso foi ainda pior do que durante a pandemia de coronavírus, com quedas que não se viam desde a crise de 2001/2, até agora a pior da história da Argentina
– O dado mais cruel de todos é o aumento brutal da pobreza e da indigência: no primeiro semestre de 2024, a pobreza cresceu 11,2% (de 41,7% a 52,9%) e a indigência 6,2% (11,9%, a 18,1%), os valores mais elevados desde 2004
– Em termos de direitos humanos, o retrocesso é monstruoso. É um governo que reivindica publicamente o terrorismo de Estado e desmantelou todas as organismos que nos últimos 45 anos se dedicaram à busca de desaparecidos e à recuperação das identidades de bebês roubados, como o CONADI.
O mais grave é que vários deputados de seu espaço foram recentemente visitar detidos da ditadura por crimes contra a humanidade, incluindo Alfredo Astiz, um dos mais sádicos genocidas do regime de Jorge Rafael Videla, responsável pelo sequestro das cofundadoras das Mães da Praça de Maio, Esther Ballestrino, Azucena Villaflor e María Bianca de Ponce, que foram torturadas por dias e assassinadas nos terríveis voos da morte. A ideia é libertar os torturadores.
O ajuste que Milei prometeu contra a "casta" política nunca aconteceu. Na verdade, trouxe toda a equipe de Macri e De la Rúa para seu governo. A dolarização da economia, sua grande promessa, que garantiu 10 bilhões de dólares de um fundo de investimento internacional, tampouco se concretizou
Já na campanha, Milei garantiu que os desaparecidos e assassinados não eram 30 mil, eram "apenas" 8.753. Novamente, mente. Foram os próprios militares que admitiram em um telegrama enviado aos Estados Unidos que em 1978 o número de desaparecidos/assassinados era de 22 mil. Lembremos que a sangrenta ditadura argentina durou de 1976 a 1983. O ajuste que ele prometeu na campanha contra a "casta" política nunca aconteceu. Na verdade, ele trouxe toda a equipe de Macri e De la Rúa para seu governo (Caputo, Bullrich, Sturzenegger etc). A dolarização da economia, que foi sua grande promessa, garantindo que obtivesse 10 bilhões de dólares de um fundo de investimento internacional, tampouco se concretizou.
Pode-se pensar que 9 meses no governo é pouco, e de fato é, mas o que o governo está fazendo é a destruição da classe média em tempo recorde. A ideia muito distorcida de que um país pode construir um grande futuro como nação empurrando milhões de compatriotas para a pobreza é tão brutal quanto contraditória. Não sei quanto tempo vai durar esse "fenômeno", como a mídia o chamou, o que sei é que se continuar assim, com tanta violência econômica, o único milagre será se Milei poderá acabar com seu mandato sem haver um surto social.