CYNARA MENEZES
Foi uma jogada arriscada, mas Guilherme Boulos conseguiu seu principal objetivo ao aceitar uma sabatina com o infame Pablo Marçal: colar de vez a pecha de "covarde" em Ricardo Nunes. O atual prefeito de São Paulo chegou a recusar uma chamada telefônica ao vivo do coach, candidato derrotado no primeiro turno. Feio, bem feio para quem está no comando da maior cidade do país. Já Guilherme Boulos foi elogiado pelo ex-adversário. "Parabéns pela coragem. Você vir aqui é muito corajoso", declarou Marçal a Boulos.
Marçal parecia incomodado com a presença de Boulos. Ele mesmo confessou que esperava que nenhum dos dois aceitasse seu "desafio". Mas Boulos, como ele próprio disse, não foge do diálogo, e topou imediatamente. Nunes também quase que imediatamente declinou, como fez em vários debates e sabatinas até agora: "Zero chance". Talvez o que Marçal desejasse na verdade, bolsonarista que é, fosse dar um empurrãozinho em Nunes, mas o prefeito não colaborou e fugiu.
Boulos: "Eu me considero uma pessoa próspera trabalhando como professor, porque fazia o que eu gostava, nunca passei necessidade, a minha família nunca passou necessidade, sempre pude ter um padrão de vida compatível com o que eu ganho. A prosperidade para mim não é apenas os cifrões que a pessoa tem na conta bancária"
O influenciador, ao contrário do que ocorreu no primeiro turno, se ateve às regras combinads com a campanha do psolista, e não baixou o nível. É certo que como entrevistador ele é um ótimo coach, e as perguntas não tiveram nada de geniais, inclusive maltratando o português: "Você arrepende de algo?" (sic). Mais próximo do final, não podiam faltar as groselhas bolsonaristas: "O que é o foro de São Paulo?"; "O que é comunismo na sua cabeça?" Boulos tirou de letra.
Para o eleitor de esquerda que estava assistindo foi um sofrimento acompanhar a egotrip de Marçal, que se gabava das suas supostas conquistas antes de cada questão, mas Boulos soube responder de forma segura todas elas, sobretudo quando perguntado se não era a favor de "prosperidade", já que, na visão do coach, não pode ser considerado "próspero" porque não acumulou patrimônio. Ali ficou clara a diferença de um candidato de esquerda para um candidato de direita.
"Se você acredita em prosperidade, por que você está há 20 anos morando no mesmo lugar, seus pais são médicos. Como é que você acredita numa coisa que você não vive? Como você pode lutar pela prosperidade se isso não aconteceu na sua vida?", questionou Marçal, explicitando sua visão estreita do que é "prosperar" na vida. A resposta de Boulos foi magistral.
"Eu trabalhei minha vida toda como professor. Antes mesmo de me formar, no último ano da faculdade de Filosofia, fui dar aula numa escola estadual chamada Maria Auxiliadora e desde então trabalhei como professor nos últimos 20 e tantos anos. Professor, cara, é uma profissão que não dá dinheiro. É uma profissão que você faz por vocação, por acreditar. Eu me considero uma pessoa próspera trabalhando como professor, porque fazia o que eu gostava, porque nunca passei necessidade, a minha família nunca passou necessidade, sempre pude ter um padrão de vida compatível com o que eu ganho. A prosperidade para mim não é apenas os cifrões que a pessoa tem na conta bancária. Eu acho que as pessoas que entendem prosperar dessa forma têm todo o direito. O que eu defendo e tô na política também para isso é para que todo mundo possa prosperar, cada um do seu jeito. Eu me considero uma pessoa próspera porque para mim, diferente de muitas famílias em São Paulo, não falta nada, minhas filhas nunca tiveram nenhuma carência, e sempre vivi do meu trabalho."
Boulos, como diria Marçal, "soube aproveitar as oportunidades". Usou o coach como escada, deu o seu recado e ainda carimbou Nunes mais uma vez como "covarde". Se a sabatina, que teve em seu pico mais de 400 mil pessoas assistindo simultaneamente no canal de Marçal no youtube (pouco para quem se gaba tanto de dominar as redes), foi capaz de ajudar Boulos a virar e ganhar a eleição só saberemos domingo. Mas se há alguém que se saiu mal nessa história toda foi Ricardo Nunes, o arregão.