NATHAN FRENCH, NO THE CONVERSATION
TRADUÇÃO CYNARA MENEZES
Em meio à escalada da guerra Israel-Hamas, observadores da região e estrangeiros continuam a fazer suposições sobre o apoio público ao Hamas na Faixa de Gaza.
Suposições equivocadas, como as feitas pelo republicano Ron de Santis, candidato à presidência dos EUA, clamando que todos os habitantes de Gaza são "antissemitas", ou por aqueles que culpam os palestinos por "eleger o Hamas", deveriam orientar os debates a não ser apenas sobre a forma como a guerra é vista, mas também sobre os planos de ajuda aos habitantes da região nos próximos meses.
Quaisquer esforços de reconstrução ou oferta de ajuda precisam ser ponderados com o medo que a população de Gaza sente dos insurgentes do Hamas.
Em minha própria pesquisa sobre Jihadi-Salafismo e Islamismo, descobri que movimentos armados provocaram intervenções militares para explorar o caos que se seguiu. Além disso, tais grupos frequentemente afirmam governar no "legítimo" interesse daqueles que eles dominam, até mesmo quando essas populações rejeitam tal domínio.
Como muitos comentaristas observaram, o Hamas provavelmente espera não só encorajar uma resposta desproporcional de Israel, como também o uso da consequente violência da intervenção para cultivar a contínua dependência dos habitantes de Gaza em relação ao grupo e para desviar a atenção de seus próprios fracassos de política interna.
O contínuo bombardeio por Israel amenizou a frustração dos habitantes de Gaza com o Hamas –pelo menos no curto prazo. Tais ataques "transformaram a culpabilização do Hamas (pelos ataques em Israel) em mais raiva contra Israel"
Líderes dos dois lados do conflito tentam justificar suas ações. Com frequência, usam sua percepção sobre a opinião pública dos moradores de Gaza para apooiar os próprios objetivos políticos. Por exemplo: Ismail Haniyeh, chege do bureau político do Hamas, afirmou que as ações do grupo representam os habitantes de Gaza e "a totalidade da comunidade árabe muçulmana".
Para Haniyeh, o uso de violência pelo Hamas aconteceu em nome dos palestinos que foram atacados no complexo da mesquita de Al-Aqsa em setembro deste ano, ou que sofreram nas mãos das forças de segurança israelense ou dos colonos na Cisjordânia. Já o presidente israelense Isaac Herzog sugeriu que todos os habitantes de Gaza têm responsabilidade coletiva pelo Hamas. Como resultado, concluiu, Israel iria agir para defender seus próprios interesses contra Gaza e seu povo.
O governo Biden, tendo o cuidado de não condenar o bombardeio israelense, tentou uma abordagem mais ampla diante do agravamento do conflito. Em uma entrevista e nas redes sociais, o presidente Joe Biden observou que "a grande maioria dos palestinos não tem nada a ver com os ataques do Hamas, pelo contrário, está sofrendo com o resultado deles". Tal sofrimento, Biden acrescentou, exigia o eventual levantamento do "cerco completo" implementado por Israel em Gaza.
Em cada um desses exemplos, políticos usaram suas suposições sobre os habitantes de Gaza para apoiar suas políticas. Mas a população de Gaza vive estas políticas de forma muito diferente. A análise da opinião pública dos moradores da região ao longo do tempo revela um sentimento crescente de desesperança ao viver sob o bloqueio israelense.
Uma pesquisa de junho de 2023 mostrou que 64% dos moradores de Gaza reivindicavam mais cuidados de saúde, emprego, educação e algum senso de normalidade em lugar da autoproclamada “resistência” do Hamas. Mais de 92% expressaram raiva por suas condições de vida
Uma pesquisa de junho de 2023 conduzida por Khalil Shikaki, professor de Ciência Política e diretor do Palestinian Center for Policy and Survey Research, mostrou que 79% dos habitantes de Gaza apoiavam oposição armada à ocupação israelense do território palestino. Uma pesquisa do Washington Institute de julho de 2023 apontou que apenas 57% dos habitantes de Gaza têm uma opinião "de alguma forma positiva" sobre o Hamas.
Uma análise mais profunda destas pesquisas mostra que há nuances. Consideremos que em 2018 25% das mulheres em Gaza corriam risco de morrer no parto, 53% dos habitantes da região viviam na pobreza e o fornecimento de suplementos de saúde essenciais estava escasso. Neste mesmo ano, Shikaki descobriu um crescente número de habitantes de Gaza insatisfeitos com o governo do Hamas, com quase 50% deles desejando que eles deixassem inteiramente o território.
Uma pesquisa de junho de 2023 do Washington Institute mostrou que 64% dos moradores de Gaza reivindicavam mais cuidados de saúde, emprego, educação e algum senso de normalidade em lugar da autoproclamada "resistência" do Hamas. Mais de 92% dos moradores da faixa expressaram raiva por suas condições de vida.
Adicionalmente, como Shikaki reportou, mais de 73% acreditavam que o governo do Hamas é corrupto. Além disso, os habitantes de Gaza viam pouca esperança de mudança eleitoral. Sem eleições desde 2006, a maioria dos palestinos de Gaza vivos não é velho o suficiente para terem votado no Hamas.
Mais de 73% acreditavam que o governo do Hamas é corrupto. Além disso, os habitantes de Gaza viam pouca esperança de mudança pela via eleitoral. Sem eleições desde 2006, a maioria dos palestinos de Gaza vivos não é velho o suficiente para terem votado no Hamas
Apoio à resistência armada nem sempre esteve presente. Quando o Hamas se insurgiu abertamente contra a Autoridade Palestina –que governa a Cisjordânia e questionou a legitimidade da vitória do Hamas– e tomou o controle da Faixa de Gaza em 2007, mais de 73% dos palestinos se opuseram a isso, assim como a qualquer conflito armado.
Naquela época, menos de um terço dos habitantes de Gaza apoiaram ações militares contra Israel. E acima de 80% condenaram sequestros, incêndios e violência indiscriminada. Lidas ao longo do tempo, as pesquisas feitas em Gaza entre 2007 e 2023 contam uma história. Elas ajudam a esclarecer como o apoio à resistência armada cresceu junto com a frustração, a raiva e a desesperança em qualquer solução política para seu sofrimento.
Em 2017, a pesquisadora Sara Roy, estudando a economia palestina e o islamismo, explorou a tolerância dos habitantes de Gaza com o Hamas, observando que "o que há de novidade é o sentimento de desespero, que pode ser sentido nos limites que as pessoas agora estão dispostas a cruzar, limites que eram antes invioláveis".
Os habitantes de Gaza, argumentou Roy, particularmente os 75% com menos de 30 anos, sentiam afinidades bem variadas diante da ideologia do Hamas ou de argumentos sobre legitimidade islâmica. O Hamas, diziam, pagava salários, enquanto poucos outros pagavam. Arriscar-se a virar alvo dos soldados israelenses era um efeito calculado e tolerável a correr diante de um contracheque.
Em 2019, 27% dos habitantes de Gaza culpavam o Hamas por suas condições de vida. Na mesma pesquisa, 55% apoiavam qualquer plano de paz que incluisse um Estado palestino com o Leste de Jerusalém como capital e a retirada israelense dos territórios ocupados.
Em 2023, quando os habitantes de Gaza pesquisados por Shikaki expressaram seu apoio à resistência armada, eles o fizeram na crença de que apenas esta resistência –e não a política eleitoral– poderia oferecer alívio ao bloqueio e ao cerco israelense. Ao mesmo tempo, porém, os pesquisados expressaram exaustão com a corrupção do Hamas e o desemprego e a pobreza persistentes em Gaza. Qualquer chance de um mero retorno à normalidade parece perdido para muitos dos moradores de Gaza, enquanto o Hamas reivindica agir como sua "resistência legítima".
Com as negociações pela paz paralisadas em Gaza desde 2001, as eleições adiadas, a saída de Gaza impossível, e agora com uma crescente crise humanitária, uma geração inteira de habitantes da região têm poucas opções. "Há morte em toda parte", disse Omar El Qattaa, um fotógrafo de 33 anos baseado em Gaza, "e as memórias estão destruídas".
Embora uma pesquisa de 2023 indique que a maioria dos habitantes de Gaza se opunha a interromper o cessar-fogo com Israel, o Hamas avançou com seus ataques de outubro contra a vontade da população. O desespero sentido por El Qatta e milhões de outros em Gaza corre o risco de ser instrumentalizado pelo Hamas. Como Matthew Leavitt, um estudioso do Hamas, escreveu, o grupo vê a política, a caridade, a violência e o terrorismo como ferramentas legítimas e complementares para cumprir seus objetivos.
Como observa Khaldoun Barghouti, um pesquisador palestino baseado em Ramallah, o contínuo bombardeio por Israel amenizou a frustração dos habitantes de Gaza com o Hamas –pelo menos no curto prazo. Tais ataques "transformaram a culpabilização do Hamas (pelos ataques em Israel) em mais raiva contra Israel".
Como isto irá se traduzir em apoio a alternativas ao Hamas nos próximos meses ainda é uma dúvida. Muito irá depender de como os parceiros internacionais reconquistarão a confiança dos habitantes de Gaza e ao mesmo tempo os ajudarão a encontrar alternativas significativas a um movimento que consideravam corrupto e incapaz de atender suas necessidades básicas.
Nathan French é professor associado de religião na Miami University