ANA PRESTES
A gente pensa que para todo o sempre, do outro lado da linha do telefone memorizado desde a infância, digitado como se fosse a própria extensão das mãos, vai atender aquela mesma voz.
Que por trás da porta do endereço mais amado de toda a vida vai estar aquele abraço único.
Que as janelas estarão sempre abertas e ventiladas, que no ambiente haverá música ou som da tv e que as estampas das roupas e das almofadas serão coloridas e sobrepostas.
Que o café da tarde será regado a risadas e pão quentinho. E de surpresa vai surgir uma torta da geladeira.
Que ela vai gritar que o banho tá demorado e que é pra apagar a luz pois não é sócia da light.
Que o plano pra manhã seguinte será o de partir para a praia sem hora pra voltar.
Que no almoço vai estar na mesa o melhor feijão do mundo.
Que a sobremesa vai ser uma bacia de mangas que ela vai descascando e picando enquanto conta histórias.
Que de tardezinha, depois do chá, vamos deitar na cama da abuela para ver a novela.
Que ela vai dormir antes do fim do capítulo e vai acordar antes do amanhecer ouvindo as notícias no radinho de pilha.
Que no café da manhã a gente vai ouvir as histórias da infância dela em Pernambuco. E vai rir, e vai chorar e se indignar.
Que ela não vai aceitar choro na despedida e vai encher nossa mala de presentes aleatórios.
Que um dia, sem motivo, vai chegar em casa uma caixa sortida com ítens que vão da goiabada, a livros e pares de meia.
Que nas eleições ela vai fazer campanha, vai torcer e acertar o resultado eleitoral.
Que não vai te deixar desistir, que vai te apoiar, que vai te dar bronca e perguntar quais os planos para as próximas férias, os próximos trabalhos e os próximos amores.
Que nunca vai haver Rio de Janeiro sem ela.
A mais linda abuela.
A gente pensa que é pra sempre.
Não estamos preparadas para o inverso, reverso e transverso da vida sem ela.