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Nilma Gomes será a nova ministra da Cidadania, pasta criada pela presidenta Dilma que irá incorporar a Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), SPM (Secretaria de Políticas para Mulheres) e a Secretaria de Direitos Humanos.
Poder-se-ia argumentar que isto indicaria uma prioridade para a discussão da temática racial em um ministério que irá abrigar várias áreas, pois Nilma Gomes era a ministra da Seppir. Enfim, para as políticas de combate ao racismo, menos pior.
Porém reafirmo o que disse em artigo publicado aqui no Portal Fórum. A perda de status de ministério destas secretarias dificultará o caráter transversal destas políticas e reduzirá a sua visibilidade.
Além disto, apesar da ministra Nilma ser oriunda da Seppir, ela terá que dar conta das demandas de três secretarias que estarão sob o seu ministério. E a tendência é vincular as políticas de combate ao racismo a temática dos direitos humanos e cidadania, isto é, circunscrevê-las no âmbito dos direitos civis.
Do ponto de vista de uma concepção de racismo estrutural, isto é retrocesso. O racismo se manifesta em todas as dimensões da vida social – no trabalho, na saúde, na educação, nos direitos sociais –, se expressa nas instituições (o chamado racismo institucional) e se legitima ideologicamente (o racismo ideológico). Isto exige um compromisso firme por meio de políticas de Estado (e não apenas de governo) no sentido de combater tenazmente o racismo. Transcende, portanto, a concepção de direitos civis e de cidadan ia.
Ainda que de forma tímida, a visibilidade que a temática racial foi ganhando no campo institucional com o funcionamento da Seppir e suas articulações com outros ministérios, possibilitou que a temática fosse contaminando outras áreas. Cito, como exemplo, a campanha feita na área da saúde contra o racismo no atendimento médico-hospitalar.
Evidente que isto incomodou os conservadores. Ao deixar o mito da “democracia racial” em frangalhos, o discurso conservador passou a apropriar-se do direito de “liberdade individual de expressão” para defender o direito de ser racista. Pseudo-humoristas e pseudo-comunicadores puxaram a fila, posando-se de “vítimas” do que consideram “ditadura do politicamente correto”.
Ou chamando os denunciadores de racismo de “paranoicos”. Como se o fato de mais de 75% dos jovens assassinados nas periferias serem negras fosse obra de paranoia. Ou que fosse paranoia denunciar que o número de negras e negros que aparecem nos produtos midiáticos brasileiros seja inferior a da mídia estadunidense, mesmo tendo uma população negra três vezes e meia superior.
O que incomoda, no fundo, é que combater o racismo significa combater privilégios raciais, significa deslocar pessoas de determinadas posições garantidas pelo critério racial.
Se a presidenta Dilma não cedeu totalmente a este discurso conservador, minimizou o problema do racismo. Reduziu-o ao âmbito dos direitos humanos e civis. O racismo não é um problema que se ataca na perspectiva da individualidade cidadã ou humana. É uma questão de ordem política e estrutural que exige uma repactuação social. Necessita de uma profunda transformação institucional do Estado e da sociedade brasileira. Não tinha expectativa que em apenas um ou dois governos isto acontecesse. Isto exigiria um processo longo. Mas é fato que a decisão tomada é um passo atrás.
Foto de capa: Júnior Panela/Unilab