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A Segib (Secretaria Geral Ibero Americana), órgão multilateral que reúne as nações da América Latina mais Portugal e Espanha, realizou no início de julho um seminário sobre Economia da Cultura em Madri. Participei do evento a convite da secretaria.
O objetivo do seminário foi elaborar uma proposta de construção de um mercado cultural da região a ser submetida ao próximo encontro de chefes de Estado da Ibero-América a ser realizado em novembro na cidade de Cadiz, Espanha.
Nos últimos anos, tem crescido a discussão sobre a economia da cultura, muito em função das mudanças dos paradigmas da produção capitalista que, entre outros aspectos, reduz as possibilidades de emprego na indústria tradicional. Neste mesmo contexto, o crescimento das tecnologias de informação e comunicação gerou um impacto considerável na produção cultural, abrindo um outro flanco possível de expansão do capital. Neste aspecto, as novas tecnologias apropriadas por segmentos subalternizados geraram novos protagonistas midiáticos e culturais: grupos de cultura popular passam a utilizar destes dispositivos para darem visibilidade as suas expressões culturais.
Existe uma disputa política e ideológica no campo da economia da cultura. Há uma perspectiva hegemônica de incorporar todas as produções culturais – inclusive as periféricas – dentro da lógica dos oligopólios da indústria cultural. No seminário de Madri, o professor Alfredo Manevy citou o caso do filme brasileiro Cidade de Deus, adaptação de um romance escrito por um escritor brasileiro negro (Paulo Lins), com atores brasileiros, muitos vindos da periferia. Este filme foi um sucesso internacional, chegando a ficar em cartaz mais de um ano em vários países da Europa. Entretanto, por força contratual, 80% do lucro obtido com estas exibições internacionais ficaram nas mãos da distribuidora norte-americana Miramax. Enfim, a visibilidade de um produto nacional, oriundo de uma produção cultural de pessoas da periferia acabou favorecendo não os grupos que protagonizaram este produto, mas a intermediação de uma indústria oligopólica.
Existe uma outra perspectiva que propõe uma ação pró-ativa dos poderes públicos no sentido de potencializar as experiências de arranjos produtivos já existentes nas culturas populares. O ex-ministro Juca Ferreira lembrou do carnaval que já é a maior riqueza – no sentido econômico mesmo – de várias cidades, como Salvador e Recife. E o carnaval é produto de uma complexa estrutura de arranjo produtivo de grupos populares, sejam eles escolas de samba, blocos carnavalescos, de afoxé, entre outros. Nestes arranjos, encontram-se vários sujeitos de classes subalternizadas desenvolvendo trabalhos sofisticados nos mais variados ramos, como pesquisa, música, coreografia, cenografia, logística operacional etc. A potencialização destas organizações por meio de políticas públicas poderia garantir não só uma autonomia destes grupos, como também um protagonismo dos mesmos no sentido de apontar direções alternativas de desenvolvimento, para além do economicismo.
No Brasil, a maioria destas expressões culturais tem origem afrodescendente e suas formas de organização conectam-se com tradições africanas. Não são apenas expressões culturais no sentido estrito do termo, mas de modelos de sociabilidades que se reinventam e, em grande parte das vezes, se transformam em formas de resistência aos mecanismos de opressão racial. Por isto, a ação cultural destes grupos tem também um sentido político. Mais que uma saída para a crise, uma política cultural neste sentido é também uma sinalização de um outro modelo de sociedade que se quer construir, muito além das concepções desenvolvimentistas e economicistas que ainda seduzem boa parte da esquerda latino-americana e brasileira.