A palavra de ordem expressa na passeata de 20 de novembro em São Paulo – “Cotas sim, genocídio não” – sintetiza a estratégia a ser adotada pelo movimento anti-racista atualmente no Brasil.
O professor Muniz Sodré, em entrevista a TV Brasil, afirmou que o problema do racismo no Brasil está vinculado às questões relacionais. Diz o professor da UFRJ que o racismo como doutrina pretensamente científica já foi desmascarada, mas persiste como um estoque de valor que contamina o conjunto das relações sociais no país.
Em outras palavras, os valores ideologicamente atribuídos ao ser branco e ao ser negro transformam as relações inter-raciais em situações assimétricas, com o afrodescendente sempre entrando em desvantagem.
Assim, o problema das imagens socialmente construídas de negros tem um impacto que atinge toda a população afrodescendente. Uma diretora de uma escola pública em São Paulo externou que, devido a imagens negativas de crianças negras na novela infantil Carrossel transmitida pelo SBT, vários alunos negros demonstraram vergonha de serem negros. A sexualização e objetificação radical da mulher negra nos meios de comunicação têm impactos nas relações sociais, profissionais e pessoais de mulheres negras.
O pensador norte-americano Walter Lippmann, na obra clássica Opinião Pública, de 1922, afirma que os sujeitos não agem com base na realidade que os cerca, mas sim na imagem desta realidade construída nas suas mentes. E a construção destas imagens passa pelo mecanismo da estereotipia, vista por Lippmann como um “atalho cognitivo”.
Com tudo isso, ser negro no Brasil significa carregar sempre o peso de uma imagem construída de negritude que, diante do estabelecimento do padrão branco como o normal ou o universal (o branco nunca se vê como uma etnia ou como um grupo étnico), é sempre um desvio que pode ser tratado desde o viés da negação ou do exotismo.
É por esta razão que todas as ações que contribuam para que os espaços que hoje são monocromáticos por uma questão de hierarquias racialmente construídas, sejam multicoloridos – esta é a importância das ações afirmativas, das cotas nas universidades e nos empregos, nos cargos e outros. Ao mesmo tempo, é necessária a denúncia dos mecanismos de opressão e de extermínio, como os praticados pelas forças de segurança (nos últimos anos cresceu assustadoramente o número de jovens negros assassinados no país, contrariamente o de brancos que caiu).