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Joaquim Barbosa, novo presidente do Supremo Tribunal Federal e relator do processo conhecido como “mensalão” ganhou notoriedade na mídia. O primeiro negro a ser ministro da mais alta corte judicial brasileira ganhou uma visibilidade incomum em se tratando de ministros do SUpremo. A sua fama chegou às redes sociais com os mais variados tipos de comentários.
A figura de Barbosa despertou polêmicas por conta da sua atuação como relator de uma ação penal que envolve o principal partido político no poder, o PT. O “escândalo do mensalão” tem sido uma das estratégias da oposição de desgastar os governos petistas e aliados. O fato de o julgamento ter acontecido no período de campanha eleitoral acabou dando uma maior visibilidade a este acontecimento e, por tabela, ao relator da ação o ministro Barbosa.
Para além disto, o fato de Barbosa ser o primeiro ministro negro do STF trouxe a tona a questão racial. Aí, novamente, o racismo foi utilizado por alguns simpatizantes do governo petista para desqualificar a ação do ministro. Comentários como “Joaquim Barbosa está parecendo aqueles negros que o dono da senzala escolhia para surrar outros negros no pelourinho” de um conhecido e velho jornalista de “esquerda” e outros de tom bem pior são deploráveis.
Há diferenças entre questionar politicamente, juridicamente ou ideologicamente o comportamento de Barbosa – o que é legítimo – e desqualificá-lo via o racismo. Barbosa vem se utilizando de procedimentos jurídicos distintos da tradição do Judiciário brasileiro como, por exemplo, a condenação com base em testemunhos e notícias veiculadas nos meios de comunicação e a interpretação da figura do ato de ofício. Estas são as principais razões das suas polêmicas com o ministro revisor Ricardo Levandowsky.
Com isso, Barbosa tem tido atuação privilegiada na condenação do núcleo dirigente do PT envolvido no caso do mensalão. É por isto – e somente por isto – que ele é atacado pelos simpatizantes petistas e elogiado – chamado inclusive de “Anjo Negro” – pela oposição e pela mídia. Há uma apropriação indevida da questão racial pelos dois lados.
Críticas racistas
A condenação dos dirigentes petistas não é obra apenas de Barbosa. Foi proposta pelo procurador da República, Roberto Gurgel, e teve apoio da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Por que não criticar também os demais “brancos” – esmagadora maioria – que também condenaram os “companheiros”?
Há um evidente mal-estar no campo da esquerda brasileira quando se trata de abordar a questão racial para além do aspecto das ideologias partidárias. Sueli Carneiro, dirigente da ONG Geledés, afirmou certa vez que o racismo desumaniza tanto negros e negras que sequer se permite que negros e negras tenham posições ideológicas distintas. Em todos os segmentos sociais há divergências ideológicas: no movimento sindical, movimento de mulheres, movimento estudantil, entre outros. Esta diferença parece não ser permitida quando se trata dos afrodescendentes.
Quando Paulo Maluf lançou Celso Pitta para ser seu sucessor na prefeitura de São Paulo, debate semelhante veio a tona. Alguns mais apressadinhos chamaram Pitta de negro de alma branca, de capitão do mato e até de “negro safado”. No fim, Pitta, envolvido em uma rede de corrupção na prefeitura paulistana (que tinha entre os seus comandantes nada menos que o atual prefeito Gilberto Kassab) morreu na miséria – caso único que conheço de um político corrupto que tenha empobrecido.
Como militante anti-racista e de esquerda, tranquilamente afirmo: discordei e discordaria sempre de Celso Pitta e de todo o seu grupo político, continuidade do malufismo. Mas sei que ele, como todo o negro brasileiro, sofreu toda a ordem de preconceitos raciais e, como militante anti-racista, tenho o dever de denunciar e repudiar venha de quem venha.
Tenho uma série de críticas a atuação do ministro Barbosa, principalmente o seu encantamento com a visibilidade midiática que este julgamento está proporcionando o que considero inadequado para um órgão do Poder Judiciário. Isto dá vazão para que os desejos de linchamentos públicos tomem lugar da normatividade jurídica. A midiatização da justiça já deu péssimos resultados, como foi a execução de Hauptmann no caso Lindenbergh (já abordado aqui).
Agora, tudo isto não tem nada a ver com a raça de Barbosa. Poderia ser o Gilmar Mendes, o Ayres Brito ou qualquer outro o relator do caso. O que pode/deve ser criticado é como o julgamento está sendo conduzido e usado.
Apropriação oportunista
Por outro lado, também incomoda a apropriação oportunista de demotucanos e sua mídia subserviente que exaltam um “heroísmo” de Barbosa, chamando-o de “Anjo Negro”. Primeiro porque esta mesma mídia caiu de pau em cima do ministro Barbosa quando ele discutiu com o queridinho dos demotucanos, Gilmar Mendes. Na ocasião, o ministro Mendes insinuava que Barbosa era incompetente e que estava lá apenas pela sua condição de ser negro, uma “cota” concedida pelo presidente Lula. Os “colonistas” da mídia hegemônica compraram esta ideia.
Esta mesma mídia foi contra Joaquim Barbosa quando este acolheu a denúncia do mensalão tucano que será julgado na sequência da atual ação penal. Um dos colonistas da mídia chegou a dizer que não se pode acolher uma denúncia baseada apenas em notícias publicas em jornal – que é exatamente o que foi feito na condenação de José Dirceu.
O ministro que incomodava, o negro que foi posto lá só por conta de uma demagogia do “presidente populista” Lula vira o “anjo negro”. E o mais interessante é a disseminação via redes sociais da figura de Joaquim Barbosa como exemplo de uma pessoa que derrubou as barreiras por “esforço próprio” que não precisou de “cotas” (apesar dele ser um defensor ardoroso das cotas, inclusive defendendo a sua constitucionalidade).
A entrevista concedida pelo ministro ao jornal “Folha de S. Paulo” no dia 7 de outubro é interessante: Barbosa diz que a mídia usa de dois pesos e duas medidas para tratar do “mensalão petista” e do “mensalão tucano” (diz ele que a mídia pouco fala deste segundo escândalo); que a mídia é elitista e branca. E conta um fato da sua história pessoal interessante: ele tentou ser embaixador, passou no exame do Instituto Rio Branco mas foi barrado na entrevista (quando é possível uma seleção visual). Ora, este exemplo da vida de Barbosa mostra que não foi só esforços pessoais e vitórias, foram também interdições raciais.
Finalmente, Barbosa, na entrevista, afirma que votou em Lula e Dilma e elogiou o atual governo federal. Mais um dado: ele, Barbosa, primeiro negro no Supremo Tribunal Federal, foi indicado pelo primeiro presidente operário do Brasil e que tem tido uma atuação insuspeita como magistrado, bem ao contrário do ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve uma atuação descaradamente político-partidária no supremo.
Pelas falas de Barbosa na entrevista, a atual lua-de-mel com a mídia e os demotucanos vai durar até iniciar o julgamento do mensalão tucano. Certamente, nestes momentos, os sinais vão se inverter. Mas uma coisa se mantém: ele continuará sendo negro. E sem a adoção de cotas e políticas afirmativas, provavelmente o único negro no Supremo durante muito tempo.