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O pensador Décio Pignattari propõe que a avaliação da qualidade estética de uma obra artística dá-se pela quantidade de informações presente nela. Assim, quanto maior a taxa informacional presente em uma obra artística, mais elevada será a sua qualidade estética.
Pode-se elencar uma série de questionamentos quanto a este critério avaliativo de Pignattari, como, por exemplo, como quantificar informação. O risco que se corre é considerar informação apenas aqueles elementos que condizem a um determinado universo de repertório. Por exemplo, no idioma falado pelos esquimós, existem sete palavras diferentes, com sentidos distintos, para designar neve. Esta distinção de sentidos que implica necessariamente uma taxa informacional maior neste campo significativo atende a uma demanda cultural particular daquele povo. Para nós, viventes em terras ocidentais, a palavra neve já dá a informação suficiente.
Mas, ainda que apontemos estas restrições desta proposta de Pignattari, vamos utilizá-la para comentar o seguinte: imagina um evento popular, de rua, que apresente uma quantidade de informações que passa pela reflexão do que foram as Mil e Uma Noites de Bagdá, do papel do sal na humanidade (de riqueza a uso como tempero), do impacto da descoberta do fogo no mundo, da importância da imigração nordestina em São Paulo, dos recursos utilizados para construir a atmosfera de magia nas histórias infantis, dos 100 anos do Teatro Municipal de São Paulo, a luta e superação do ex-pianista e atual maestro José Carlos Martins, do papel do pólo industrial da cidade de São Bernardo do Campo. Muita informação concentrada em dois dias. É o que foi o desfile das escolas de samba do Grupo Especial de São Paulo neste ano.
Efetivamente, este evento popular, de rua, é um momento de difusão de uma massa de informações. Mas o mais importante é que esta massa de informações mobiliza um número considerável de pessoas, desde aqueles que pesquisam e sistematizam os dados para articular a forma de transmissão das mesmas, aos que pensam como transmiti-las na linguagem das escolas de samba por meio de alegorias e fantasias, aos músicos que pensam como transformar a massa de informações em música e poesia, aos coerógrafos que pensam como expressá-la corporalmente, entre outros.
História, filosofia, pensamentos e muita coisa que consideramos estar presente nos meios tradicionais de transmissão de conhecimento, como as escolas e livros, é o ponto de partida de uma festa popular, negra, pagã.
Barroquização do conhecimento
O viés barroco presente na cultura popular brasileira (ou latino-americana, como defende Lezama Limai e Servero Sarduyii) permite que o conhecimento construído em uma linguagem linear se transfigure para os excessos alegóricos de cores, formas e alegorias monstruosas. Aquilo que, anteriormente, pela linguagem linear da forma tradicional de conhecimento pedia uma relação racional cartesiana, é transmitido pelo impacto emocional, pela reação corporal. Cantando e dançando, pretos e pretas, ou quase pretos e pretas e demais parceiros falam que “O ser abençoado, que hoje brilha neste carnaval/ As sinfonias de Bach regeram seu destino/ Orgulho brasileiro/ Jovem pianista genial” referindo-se ao pianista João Carlos Martins. Ou ainda que A lua lá no céu do oriente/Fez da lágrima semente/ Tesouro no azul do mar/ História de um reino encantado/ Nessa viagem vem comigo deslumbrar, sobre Dubai e o Oriente Médio.
Alguns azedos dirão que boa parte dos enredos visa meramente um fundo comercial: obter patrocínios para a escola sair ou ainda “agradar” a emissora que transmite o Carnaval. É a velha cobrança de uma postura totalmente desinteressada quando se trata de agentes da cultura popular. Não sei se foi o Caetano Veloso que, há um certo tempo, disse que quando lançava um novo disco, fazia 11 músicas voltadas para agradar o público e apenas uma ou duas que realmente queria fazer, como proposta. Não me lembro destes críticos acusarem o compositor de estar se “rendendo” ao mercado.
A crítica à indústria cultural deve ser feita, sim, mas no sentido da sua estrutura e não na perspectiva de uma condenação moral àqueles que tentam construir uma relação com a mesma, até porque precisam sobreviver como agentes culturais. O mais interessante de tudo isto é ver como as culturas populares mobilizam recursos simbólicos para construir coisas novas, transgressoras até, mesmo dentro das estruturas. A constituição de uma rede de construção e disseminação de conhecimento e informações articulada com as particularidades expressivas da cultura popular é interessante. Não só porque mobiliza uma massa significativa de pessoas que até sobrevivem disto, mas também porque esta mobilização é transpassada por esta rede de informações. Nestes termos, o carnaval pode ser visto como uma experiência bem sucedida de educação popular.