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Foi grande a repercussão do post anterior sobre os mistérios de um grupo empresarial que governa São Paulo (a CCR) e sua filha, Controlar. Foram 13 comentários, um deles, inclusive, da assessoria de imprensa da empresa, o que me motivou a ir mais a fundo neste tema.
Chama a atenção a resposta burocrática da assessoria de imprensa da Controlar. O email com as perguntas foi enviado para a assessoria de imprensa da Controlar no endereço indicado no site da empresa (tenho cópia do email guardado). Também foi feito o cadastro na sala de imprensa da Controlar de acordo com as instruções e este jornalista não consegue acessá-la sempre recebendo a informação de que “o cadastro não foi complementado” embora email mandado pela empresa informe o contrário. (tenho cópias de todas estas mensagens)
As justificativas da empresa são estapafúrdias. A empresa confirmou que impediu a impressão do boleto nos dias 1, 2 e 3 de janeiro e não desmentiu que isto aconteceu devido a reivindicação de aumento na tarifa (que está sendo questionado na justiça e foi suspensa, no dia 22, por liminar a pedido da bancada de vereadores do PT). E quanto as disparidades na inspeção, a justificativa é de que a inspeção é uma “fotografia” do momento.
Quando você vai fazer um exame clínico, é feita uma série de recomendações quanto a tempo de dieta, horas de sono, entre outras coisas, para que a “fotografia” do exame clínico seja a mais próxima possível do que está ocorrendo no organismo e não seja distorcida por questões sazonais ou conjunturais. Qual é a orientação que o sistema de inspeção veicular faz para isto? Na verdade, gerou uma rede de oficinas que fazem a tal “pré-inspeção”, um preparo do carro para isto, como os cursinhos pré-vestibulares ou para concursos, para que se passe neste novo vestibular e escape da multa de R$ 550,00. É um novo mercado rentável que passa bem longe de uma orientação de como os veículos devem estar para poluir menos. O negócio é passar na inspeção para licenciar o automóvel e escapar das pesadas multas. Alguns comentários de proprietários de veículos antigos mostraram que os carros são praticamente desregulados para poder passar na inspeção e depois disto, é refeita a regulagem.
Mas quero chegar a outro ponto crucial de tudo isto. É evidente que considero importante que haja uma fiscalização da poluição ambiental e sonora dos veículos. É tarefa do poder público fazer isto. Repito, do poder público e não de uma empresa. Chegamos a uma situação estapafúrdia de uma empresa ter o poder normativo de regular a circulação de automóveis. Esta empresa foi eleita por alguém? As suas contas serão auditadas pelos tribunais de contas? Como é feita a escolha dos seus funcionários, por concurso público?
Vejamos algumas situações derivadas disto:
1 – A prefeitura está implantando radares inteligentes para multar os veículos que não fizeram a inspeção veicular. Como funcionam estes radares? Comparam placas de veículos monitorados com a base de dados da Controlar. Veja, uma empresa é que vai fornecer a base de dados para gerar as multas, é a subordinação do poder normativo de punir (privativo do Poder Público na concepção republicana) ao poder privado de uma empresa!
2 – Está havendo vários seminários sobre poluição ambiental e o programa de inspeção veicular em São Paulo. O interessante é que em quase todos estes eventos, quem vai palestrar é o diretor-presidente da Controlar e não há nenhum representante da prefeitura, da Secretaria do Verde, etc. Em outras palavras, o programa de combate a poluição dos veículos foi totalmente delegada a uma empresa privada que age como um órgão público normativo.
3 – O diretor presidente da Controlar é o Sr. Harald Peter Zwetkoff, engenheiro civil com especialização em administração empresarial feita nos Estados Unidos. Pesquisando no Google, encontramos uma rica experiência do Sr. Zwetkoff na gestão de trânsito, tendo, inclusive, participado de reuniões do Detran do Distrito Federal. Sua única experiência na questão ambiental vem depois da sua atividade como executivo de uma empresa que recebeu a delegação de tocar a inspeção veicular em São Paulo. Isto é, a questão ambiental é muito mais uma oportunidade de negócio, uma iniciativa empresarial para este executivo do que uma atuação histórica em prol do meio ambiente.
A inspeção veicular feita nos moldes paulistanos é um dos exemplos mais claros do que é a privatização do Estado. Se você é multado pelo Detran, há uma série de instâncias recursais que o cidadão pode recorrer. Esta é a lógica do Estado democrático – existem normas, leis, o papel do poder público é fiscalizar o cumprimento destas normas, punir os que desrespeitam mas garantido o direito de defesa em outras instâncias. Bem, qual é a instância na qual o cidadão pode reclamar da inspeção veicular da Controlar? Vários cidadãos já falaram que não existe nenhum setor na Secretaria do Meio Ambiente para isto e o Detran diz que não é com ele.
Não quero aqui desmerecer, a priori, a iniciativa empresarial, até porque sou proprietário da “Dikamba – Consultoria e Projetos”, microempresa de consultoria e projetos culturais. Porém, uma empresa estabelece uma relação de clientela e o espaço para uma relação minimamente equilibrada entre empresa e cliente é dado pela concorrência de mercado e pela fiscalização do poder público por meio de normas, como o Código de Defesa do Consumidor. Agora, como uma empresa pode, primeiro, monopolizar um serviço que é obrigatório a todos os proprietários de veículos; segundo, praticamente assumir todo o gerenciamento da política de inspeção veicular e, terceiro, fornecer as bases de dados para multas?
Seria a mesma coisa que os exames para obtenção da carteira de motorista fossem feitos não pelo Detran, mas pelas autoescolas (os atuais CFCs – Centros de Formação de Condutores). Pior, não pelas autoescolas, mas por uma autoescola que tivesse o monopólio de aprovar ou não os motoristas, ficando a prefeitura apenas com a tarefa de punir quem não se submetesse à avaliação do grande monopólio empresarial.
Por trás da importância do controle da poluição ambiental, está-se operando em São Paulo a implantação de um mecanismo ilegal, antiético e, acima de tudo, antidemocrático – ninguém elegeu a Controlar ou qualquer outra empresa para normatizar a vida dos cidadãos.