Quando a Warner e Lana Wachowski anunciaram que um novo capítulo de Matrix estava sendo produzido e que Neo e Trinity estariam na trama, a pergunta que automaticamente surgiu foi: mas como, se eles morreram no filme 3 justamente para libertar a humanidade do controle virtual sobre a vida?
As respostas viriam nas primeiras entrevistas de Lana: um novo capítulo de Matrix não estava nos planos das irmãs Wachowski, porém, uma tripla tragédia se abateu sobre suas respectivas vidas: a morte de seus pais e de um grande amigo.
À época, Lana revelou que, as três pessoas que morreram ela não podia trazer de volta, mas que sim, Neo e Trinity poderiam ser ressuscitados para trabalhar em cima do amor e da esperança de que a sociedade ocidental tanto necessita.
Matrix e a nova esfera digital
Todavia, Lana Wachowski sabia que não podia apenas trazer Neo e Trinity de volta para a mesma Matrix, até porque tudo passou por uma profunda transformação. Quando encerrada a trilogia, em 2003, podemos dizer que o mundo vivia sob uma certa esperança de tempos melhores: a América Latina estava no auge dos governos progressistas… não era o mundo perfeito, mas as coisas pareciam estar no lugar.
Depois de 20 anos, as redes, que foram propagadas como o espaço da “esperança” e do “compartilhamento de ideias” e da organização de uma ordem política internacional a partir da internet, foi abaixo: dominada por bots da extrema direita, o espaço digital foi transformado em poderosa ferramenta para eleger figuras da extrema direita e colocar em risco o Estado democrático de direito.
Tendo esse mundo em vista, eis a missão de Lana Wachowski: como reinserir dois personagens que haviam sacrificados suas respectivas vidas justamente para libertar as mentes do controle exercido por governos e publicidade?
O primeiro método escolhido por Lana e a metalinguagem: Neo retornou à Matrix e voltou a ser Anderson, que se torna um famoso criador de jogos, especialmente de uma trilogia chamada… Matrix.
Assim como Lana, Neo vive sobre pressão da produtora de games para que crie mais um capítulo, até que em determinado momento, ele é obrigado a construir um novo capítulo e é neste momento em que passa a vivenciar Déjà vu de seus momentos vividos fora da Matrix.
E é durante a criação do novo capítulo de Matrix, que Neo encontra Trinity (que na Matrix se chama Tiffany) em um café. Agora, ela é casada, tem dois filhos e é criadora de motos.
Nova Matrix necessita de uma nova estética
É a partir do reencontro de Neo e Trinity na Matrix que Lana Wachowski inicia um denso trabalho de readequação estética do filme, pois, se a esfera digital é completamente outra coisa atualmente, era preciso então dar uma nova cara: se na primeira trilogia o cinza e o verde predominavam, agora estamos diante das luzes do sol, dessa maneira, Lana constrói um espetáculo visual neste novo capítulo.
Dialogando com cenas da primeira trilogia justamente tratar dessa passagem temporal, o roteiro também recorre a inúmeras referências teóricas e literárias para tratar da vida, do real, mas também do dilema de Albert Camus sobre: até que ponto vale viver a vida dentro de uma rotina interminável? E em que momento decidimos que é isso a vida? Esse é o dilema de Neo e Trinity.
Ambos vivem de encontros diários com terapeutas, psiquiatras e receitas para tomar cotidianamente a pílula azul, para viverem entorpecidos na realidade da Matrix.
Neo e Trinity contra os bots da extrema direita
Além de inserir a história de sua trama no universo gamer, Lana também entendeu que hoje a batalha política, por Justiça e Direitos Humanos se dá de variadas maneiras dentro das redes sociais e é aqui que o filme consegue abrir diálogo direto com aqueles que nasceram entre 1999 e 2003, quando Matrix era um culto e dava adeus aos cinemas.
Dessa maneira, Trinity e Neo são ressuscitados para combater os bots da extrema direita, mas, diferentemente da primeira trilogia, dessa vez a luta do casal não será construída a base de tiros e bombas, mas sim a partir da amizade, do amor e da esperança.
Alguns podem considerar tal opção piegas, mas diante do caos – e Trinity e Neo querem combater o caos – e de líderes que pregam o armamento massivo, Lana Wachowski percebeu que a Matrix se recriou ainda mais sofisticada nos mecanismos de controle e que dessa vez, pior do que nas outras, colocou os regimes democráticos em vias de extinção.
Por fim, Matrix Ressurections não é um filme de respostas, é uma ponta trazer Neo e Trinity, mas que conseguiu ir além do seu público fiel e abrir portas de diálogo com a atual geração e deixa pistas para novos capítulos da saga… a Warner já disse: se Lana quiser, pode fazer um quinto filme. Resta aguardar e esperar, e no caso de alguns, torcer.