A fantasia de enfermeira escolhida pela atriz Bruna Marquezine para uma festa de Halloween gerou reações do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) e do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), que criticam a erotização da profissão.
Em nota divulgada na tarde desta quarta-feira (3), o Coren afirma que "é inadmissível que a fantasia de enfermeira, utilizada em carnavais, festas de halloween e sátiras continue sendo tolerada pela sociedade, sobretudo por formadores de opinião".
"Repudiamos veementemente essa conduta, pois ela incentiva a sexualização de uma categoria que há décadas luta por valorização e respeito. São trabalhadoras que enfrentam sucessivas jornadas de trabalho, em seus lares e no cotidiano profissional e que não merecem ou devem ser estereotipadas dessa forma", diz o texto.
Já o Cofen, em nota divulgada na parte da noite, vai mais além: cobra de Bruna Marquezine uma retratação por ter utilizado a fantasia para, assim, evitar uma ação judicial.
"Enfermeiras são mulheres trabalhadoras que enfrentam longas jornadas de trabalho e recebem salários incompatíveis com o relevante serviço que prestam à sociedade brasileira. São profissionais que estão 24 horas por dia na beira do leito, ajudando a salvar a vida de pacientes por meio de um trabalho técnico, sério e dedicado. Como se não bastasse a difícil realidade que enfrentam, a maioria dessas mulheres é obrigada a lidar com piadas machistas, cantadas nojentas e abordagens grotescas por parte de assediadores e abusadores que, não raramente, partem para o abuso e a violência sexual", afirma o conselho no texto.
Bruna Marquezine, por sua vez, não se manifestou sobre as reações das entidades.
Confira, abaixo, as íntegras das notas.
Nota do Coren
"Fantasias de enfermeira desvalorizam o profissionalismo da enfermagem
A enfermagem é uma profissão que exige conhecimentos técnicos, anos de estudo e muito empenho e dedicação em seu cotidiano. Além disso, por ser uma categoria predominantemente feminina, com mais de 80% de mulheres, sofre os impactos das desigualdades de gênero, o que inclui episódios de violência e assédio.
Por esses e muitos outros motivos, é inadmissível que a fantasia de enfermeira, utilizada em carnavais, festas de halloween e sátiras continue sendo tolerada pela sociedade, sobretudo por formadores de opinião.
O tema já foi alvo de intervenções do Coren-SP por diversas vezes, como no episódio em que as atrizes Giovanna Ewbank e Ingrid Guimarães humildemente se retrataram por terem se apropriado da imagem da profissão com conotação sexual. Deparamos-nos nas recentes celebrações de Halloween com a atriz @brunamarquezine Bruna Marquezine fantasiada do que a mídia chamou de “enfermeira sexy”. Também com postagem de influenciadoras como Cátia Damasceno, que fez uma enquete para que os seguidores escolhessem sobre a fantasia de mulher gata ou “enfermeira bem sexy; e Thais Massa que se fantasiou como tal.
Repudiamos veementemente essa conduta, pois ela incentiva a sexualização de uma categoria que há décadas luta por valorização e respeito. São trabalhadoras que enfrentam sucessivas jornadas de trabalho, em seus lares e no cotidiano profissional e que não merecem ou devem ser estereotipadas dessa forma.
O Coren-SP defende que todo o humor e diversão são válidos desde que não prejudiquem ou provoquem qualquer impacto negativo na vida do próximo. Por isso faz um apelo à sociedade e aos formadores de opinião: respeitem e valorizem as mulheres da enfermagem"
Nota do Cofen
"Erotização da Enfermagem é desserviço às mulheres e estimula violência sexual
Bruna Marquezine deve desculpas à categoria. Cofen vai tomar medidas jurídicas
Nem mesmo a maior pandemia da história do Brasil foi suficiente para conscientizar as celebridades sobre a necessidade de respeitar o profissionalismo da Enfermagem. No último domingo, 31, foi a vez da atriz Bruna Marquezine usar as redes sociais para divulgar uma fantasia de “enfermeira sexy” para mais de 40 milhões de seguidores. Diante dos efeitos nefastos que esse tipo de atitude pode estimular, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) manifesta repúdio à publicação da atriz e espera que ela se retrate, para evitar uma ação judicial.
Esse tipo de conotação sexual é inadmissível em um país misógino, machista e violento como o Brasil. O que pode parecer um gesto inofensivo, na verdade, contribui para erotizar a imagem de uma profissão que, historicamente, sofre com assédios, violências e abusos psicológicos de toda ordem. São 2,5 milhões de profissionais de Enfermagem no Brasil: 85% são mulheres. Praticamente todas elas têm alguma história de assédio moral ou sexual para contar. Uma realidade lamentável, que precisa ser combatida diariamente.
Enfermeiras são mulheres trabalhadoras que enfrentam longas jornadas de trabalho e recebem salários incompatíveis com o relevante serviço que prestam à sociedade brasileira. São profissionais que estão 24 horas por dia na beira do leito, ajudando a salvar a vida de pacientes por meio de um trabalho técnico, sério e dedicado. Como se não bastasse a difícil realidade que enfrentam, a maioria dessas mulheres é obrigada a lidar com piadas machistas, cantadas nojentas e abordagens grotescas por parte de assediadores e abusadores que, não raramente, partem para o abuso e a violência sexual.
Os dados são estarrecedores. A plataforma digital ‘Violência contra as Mulheres em Dados’ indica que 76% das mulheres já sofreram violência e assédio sexual no trabalho. Segundo o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, foram registrados 66 mil casos de estupro no Brasil. De acordo com o IBGE, uma a cada cinco estudantes relata que já sofreu violência sexual. Em média, um estupro é registrado a cada oito minutos no país e o pior: as autoridades estimam que os dados estão subnotificados e podem ser até 10 vezes maiores.
Os efeitos secundários dessa realidade de abusos também são chocantes. De acordo com dados da pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no contexto da Covid-19 no Brasil, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 15,8% dos profissionais de saúde sofrem com perturbação do sono, 13,6% relatam irritabilidade e choro frequente, 11,7% se diz incapaz de relaxar e com sensação de estresse, 9,2% está com dificuldade de concentração ou pensamento lento, 9,1% tem perda de satisfação na carreira ou na vida, 8,3% está com sensação negativa do futuro e pensamento negativo ou suicida e 8,1% enfrenta alteração no apetite e alteração de peso.
Definitivamente, sexualizar a profissão não é a resposta que a Enfermagem espera da classe artística, principalmente, depois de todo o serviço que foi prestado no combate à pandemia da Covid-19. Como uma mulher que, certamente, já sofreu assédio sexual no trabalho, esperamos que Bruna reconheça o erro e peça desculpas à categoria. A atriz pode contribuir muito na luta contra o assédio sexual e a violência de gênero que é praticada contra as trabalhadoras da saúde."