Autoritarismo

Mahmoud Khalil: a prisão que virou símbolo da repressão de Trump às universidades

Detenção de estudante recém-formado por sua atividade em atos pró-Palestina em 2024 mostra face sombria de um governo que, se não for contestado, vai escalar ainda mais em sua sanha autoritária

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Jornalista formado na ECA-USP, colaborador do Outras Palavras, ex-editor-executivo do Brasil de Fato, ex-editor da Rede Brasil Atual e ex-âncora na TVT e Rádio Brasil Atual.
Mahmoud Khalil: a prisão que virou símbolo da repressão de Trump às universidades
Protestos no Thomas Paine Park, em Nova York, contra a detenção do ativista palestino e estudante da Universidade de Columbia Mahmoud Khalil. SWinxy / CC BY 4.0

No sábado (8), o estudante recém-formado pela Universidade de Columbia, Mahmoud Khalil, foi detido pelo governo dos EUA em sua residência após retornar de um jantar com sua esposa, grávida de oito meses. A prisão foi realizada pela Agência de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE).

Khalil foi uma das figuras centrais dos protestos dos estudantes no ano passado contra a ofensiva militar de Israel em Gaza. Palestino, ele é um residente permanente legal dos EUA com green card e não foi acusado formalmente de nenhum crime.

Por conta de sua atuação no movimento estudantil, foi nominado pelo presidente dos Estados Unidos como autor de "atividade pró-terrorista, antissemita e antiamericana" na plataforma de mídia social Truth, de propriedade do republicano.

Como destaca a Associated Press, para Trump e sua administração, a prisão de Khalil é um movimento de abertura em uma campanha para livrar o país de estudantes estrangeiros acusados, segundo integrantes da gestão do republicanos, de ajudar a tornar os campi um território intimidador para estudantes de origem judaica.

Para os defensores dos direitos civis e os advogados de Khalil, contudo, sua detenção é um ataque à liberdade de expressão e uma tentativa de suprimir visões pró-palestinas.

"Incutir medo em ativistas pró-Palestina"

A ilegalidade da prisão e da motivação que levou Khalil ao cárcere é evidente, assim como a determinação de uma possível deportação de uma pessoa que tem residência permanente nos EUA.

Segundo fontes anônimas do governo citadas pelo The New York Times, ele é acusado de "presença ou atividades nos Estados Unidos que o Secretário de Estado tem motivos razoáveis para acreditar que teriam consequências adversas potencialmente sérias para a política externa". Como ressalta o veículo, uma disposição obscura na principal lei de imigração dos EUA que os profissionais da área não lembram de ter visto ser usada para justificar uma deportação.

Até a noite desta quarta-feira (12), uma petição colocada na plataforma Action Network pedindo a libertação do estudante recém-formado, hoje cursando pós-graduação, já havia atingido quase 3 milhões de adesões. 

O texto da petição critica a postura da direção universitária. "A Universidade de Columbia, que publicou recentemente um novo protocolo sobre seus planos de cooperação com o ICE, tem como alvo Khalil por sua identidade palestina e ativismo declarado em várias ocasiões nos últimos 17 meses. Ele atuou como negociador líder durante o Gaza Solidarity Encampment na primavera passada e tem aparecido frequentemente em entrevistas à mídia e coletivas de imprensa", pontuam os organizadores da petição.

"Esse alvo racista serve para incutir medo em ativistas pró-Palestina, bem como um aviso para outros", diz ainda o texto. Mesmo com o alinhamento ao governo, criticado por muitos como um ataque à Primeira Emenda da Constituição do país, que garante a liberdade de expressão, Donald Turmp anunciou na sexta-feira (7) que vai cortar US$ 400 milhões da Universidade de Columbia. O corte vai se dar por meio do cancelamento de bolsas e contratos devido ao que o governo descreve como o fracasso na repressão ao antissemitismo no campus.

Episódio sombrio

Com o episódio, vem o famoso alerta a respeito do precedente que se abre, ainda mais em um contexto de um governo que já demonstrou ter pouca afinidade com os ritos democráticos.

"O presidente dos EUA, Donald Trump, e seus capangas do Estado policial estão tentando assustar as pessoas que ousam se aproximar de pessoas que protestam contra suas políticas ou as do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. É assim que os ditadores intimidam os cidadãos, como a liberdade morre, e é uma clara violação da nossa Constituição", aponta o autor do livro A história oculta dos monopólios: como as grandes empresas destruíram o sonho americano, Thom Hartmann, em artigo no Common Dreams

"E, com toda a probabilidade, este é apenas o começo do que os historiadores um dia definirão como um episódio muito sombrio na história americana", completa.

Hartmann menciona ainda uma reportagem do site Zeteo mostrando que Khalil havia apelado à escola por proteção contra assédio e uma possível abordagem de agentes do Serviço de Imigração e Alfândega um dia antes de o governo Trump detê-lo.

“Desde ontem, tenho sido submetido a uma campanha de doxxing cruel, coordenada e desumanizante liderada pelos afiliados da Columbia, Shai Davidai e David Lederer, que, entre outros, me rotularam como uma ameaça à segurança e pediram minha deportação”, disse ele em um e-mail enviado à presidenta interina da Columbia, Katrina Armstrong, em 7 de março.

O doxxing mencionado por ele é a prática de pesquisar, coletar e divulgar publicamente informações pessoais e privadas de uma pessoa sem o seu consentimento. Geralmente, isso é feito com a intenção de assediar, intimidar ou incitar violência contra o alvo em questão.

“Os ataques deles incitaram uma onda de ódio, incluindo pedidos de minha deportação e ameaças de morte. Descrevi o contexto mais amplo abaixo, mas a Columbia não forneceu nenhum suporte ou recursos significativos em resposta a essa ameaça crescente”, pontuou. “Não consegui dormir, com medo de que o ICE ou um indivíduo perigoso pudessem vir à minha casa. Preciso urgentemente de apoio jurídico e peço que intervenha e forneça as proteções necessárias para evitar mais danos.”

Negociador

Quando manifestantes em Columbia montaram um acampamento de tendas no terreno da universidade para protestar contra o massacre de palestinos provocado por Israel, uma extensa força policial entrou na universidade e removeu os manifestantes à força. Na ocasião, Khalil agiu como um negociador para os estudantes enquanto eles dialogavam com a universidade para acabar com o acampamento de tendas.

“Você não poderia conhecer uma pessoa mais gentil ou agradável para trabalhar. Ele é atencioso. Ele é inteligente. Ele é consciencioso”, disse o ex-diplomata britânico Andrew Waller, colega de Khalil da embaixada do Reino Unido em Beirute para a Síria à Associated Press. O ativista trabalhou lá de 2018 a 2022.

Khalil permanecerá em um centro de detenção do ICE na Louisiana e apesar de seu green card ter sido revogado pela administração Trump, o juiz federal de Nova York Jesse Furman bloqueou qualquer esforço imediato para deportá-lo.

“Nós literalmente não conseguimos conversar com nosso cliente nenhuma vez desde que ele foi tirado das ruas da cidade de Nova York”, disse Ramzi Kassem, advogado de Khalil, à CNN. Furman ordenou que Khalil tivesse direito a pelo menos uma ligação na quarta-feira (12) e uma na quinta-feira com seu advogado.

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