ILUSIONISMO

Para Estadão, bom desempenho da economia no governo Lula é responsabilidade... de Temer

Sem ter vontade de explicar como o mercado é "surpreendido" pelo crescimento econômico brasileiro, mídia corporativa esquece a "técnica" e se agarra a um roteiro repetido e desgastado

Créditos: Pixabay
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Determinado a descobrir por que os números da economia têm "surpreendido" o mercado financeiro e ditos especialistas (sempre os mesmos) ouvidos pela mídia corporativa, o jornal O Estado de S. Paulo ouviu seis economistas para tentar explicar o porquê o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), estimado antes em 0,9% no período de abril a junho, foi de 1,4%.

Antes mesmo da matéria, muitos já ouviram durante a semana o velho argumento de que Lula "tem sorte" e que, a partir de agora é preciso "ter cuidado com a inflação", o que, no jargão pouco sutil dos veículos, se traduz em "aumentar juros". 

No entanto, é preciso reforçar um discurso ideológico, aquele que atribui o bom resultado da economia a "reformas estruturais", a saber, a trabalhista e a da Previdência. 

E, sim, é uma versão puramente ideológica porque, ao contrário do que dizem aqueles que alegam defender "critérios técnicos" quando buscam isolar parte da sociedade do debate sobre economia ou tentam justificar as medidas do Banco Central de Campos Neto, o que se defende tem pouca ou nenhuma base em estudos ou pesquisas.

Reprise

Não é exatamente uma estratégia nova, tanto que já foi comentada neste texto, publicado em junho. Àquela altura, o jornal O Globo já havia antecipado, em editorial, a argumentação que basearia o jornal paulistano: "O que explica a criação de vagas formais? A hipótese mais provável, de acordo com os economistas, é que ela seja reflexo da reforma trabalhista feita no governo Michel Temer", escreveram os editorialistas na ocasião.

O crescimento da economia e do emprego são obra de Temer, de acordo com os diários de notícias. Quais pesquisam comprovam isso? Quais estudos? Que números justificam estabelecer essa relação causa-efeito? As perguntas continuam no ar.

Inclusive, naquele mesmo mês de junho, o diretor-presidente do Insper Marcos Lisboa, em entrevista, pontuava que "a conjuntura melhor se deve em boa parte às reformas aprovadas no Governo Temer, que parecem ter sido bem-sucedidas, particularmente a trabalhista". Ao menos, ela admitia que não havia estatísticas a respeito. "Ainda não sei dizer, não temos dados para afirmar isso. Tem muita medida que de fato contribui para ganhos de produtividade. Não sabemos quanto."

Reforma trabalhista

Se não existem evidências de que as mudanças que fragilizaram as relações de trabalho no Brasil tenham contribuído para o crescimento da economia ou do emprego, há muitos estudos sobre seus impactos na vida e no bem-estar dos trabalhadores. 

“A reforma trabalhista legitimou certos processos que estavam em curso já de flexibilização, mas acrescentou como novidade dois aspectos muito importantes. O primeiro não só com a reforma trabalhista, mas como a própria política institucional é o de fragilização das instituições públicas na área do trabalho, dificultando às pessoas terem acesso a direitos”, disse o professor doutor José Dari Krein, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2022.

Ele acrescenta: “Os estudos mostram que depois da reforma de 2017 houve uma queda muito forte na taxa de sindicalização e do poder dos sindicatos em defender os trabalhadores. A fragilização dos sindicatos e das instituições públicas também contribuem para esse mercado de trabalho hoje mais precário que temos no Brasil”. E contribui para uma dificuldade de acesso a emprego regular, com carteira assinada, e também de acesso ao crédito, “e esse ambiente de maior instabilidade e precariedade também prejudica a economia porque o salário que as pessoas recebem não é só custo para a empresa, é também renda, que gera compra de produtos e, portanto, gera atividade econômica”.

Se parte dos próprios economistas de corte neoliberal, fontes recorrentes da mídia corporativa, atribuem o crescimento à expansão do consumo das famílias, como o rebaixamento das condições de trabalho, de organização e, consequentemente, de melhora salarial, poderia resultar em melhora nesse cenário?

Falta repertório e a tal "técnica". Mas a tal ideologia, que não deveria ser condenada, mas integrada de forma honesta ao debate público, esta sobra...

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