Escrito en
BLOGS
el
sou uma mulher normal, e fiz um aborto.
quando descobriu, o pai abortou na hora: nunca mais atendeu minhas ligações. me abandonou.
para ele, foi simples. para mim, não.
tive que lidar com a decisão. ele, não.
eu não tinha dinheiro para uma clínica. comprei um remédio no camelô. foi uma longa madrugada. sozinha. doeu. sangrei. chorei. depois, uma amiga me levou para o hospital para ter certeza que eu ficaria bem. num leito frio, tive que ficar, de novo, sozinha. só ouvia, de longe, o deboche das enfermeiras. não me arrependo, mas isso não quer dizer que foi fácil.
sou uma mulher normal, e fiz um aborto.
(não “mas”, e sim “e”.)
sou uma mulher brasileira e trabalhadora. talvez você já tenha sido minha cliente. talvez você já tenha participado de um curso ou me ouvido numa palestra. talvez já tenha pegado um ônibus comigo em curitiba. ou um metrô no rio. talvez já tenha cruzado comigo num barco pelo rio amazonas. talvez tenha dividido a fila do supermercado em maceió, ou a fila do banco em brasília. já estive ao seu lado: na serra, no litoral. no interior gaúcho, num igarapé do amapá. no agreste, na grande são paulo. minhas havaianas verdes-e-amarelas já pisaram em muitos cantos do país. mas se não fui eu, te garanto, foi outra. outra brasileira que, como eu, fez um aborto. com cytotec, com chá, com agulha de tricô.
sim, somos normais.
mas muitas de nós estão mortas.
eu sobrevivi. e luto para que outras possam sobreviver também. segundo a organização mundial de saúde, abortos inseguros causam quase um quinto das mortes maternas na américa latina, e 8 mulheres morrem a cada hora em todo o mundo por não ter acesso ao procedimento de forma legal e segura.
sou a favor de educação para prevenir. sou a favor de aborto legalizado para não matar. sou a favor de um brasil com o direito de escolha pela vida das mulheres.
claudia regina, fotógrafa
28 de setembro de 2014 – dia latino-americano e caribenho pela descriminalização do aborto
mais informações:
existe um mito de que as mulheres que abortam são adolescentes irresponsáveis. segundo pesquisa da UnB e da Uerj, no entanto, a maioria dos abortos são feitos por mulheres de 20 a 29 anos, católicas e que já possuem filhos. o acesso a contraceptivos ainda não é fácil e, ainda sim, nenhum deles é 100% eficaz. no uruguai, país vizinho que legalizou o aborto em 2012, apenas 18% das mulheres que realizaram abortos são adolescentes, enquanto 82% são mulheres adultas. fonte.
religiões, crenças e a ciência nunca entrarão em acordo a respeito de quando começa a vida: o aborto é uma questão filosófica pessoal, enquanto a legalização do aborto é uma questão de saúde pública. veja o médico dráuzio varella falando sobre o assunto.
dos 19 milhões de abortos inseguros realizados no mundo anualmente, 96% acontem em países subdesenvolvidos. mais dados sobre aborto de acordo segundo a organização mundial de saúde. fonte.
veja também o blog 28 dias pela vida das mulheres, um blog com relatos e informações sobre o aborto e sua legalização.
•••
ilustrações por leah goren