Memórias de junho de 2013 e o fantasma do fascismo, por Alessandro Soares

"Parece que é o espírito de junho de 2013 que caminha entre nós, como um gigante violento que, uma vez despertado por uma guerra híbrida, nunca mais voltou a adormecer"

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*Por Alessandro Soares

Todos aqueles que vivenciaram as manifestações de junho de 2013 no Brasil guardam algo na memória. 

Vivendo o cotidiano burocrático do governo federal, como chefe de gabinete do Ministro da Justiça, eu acompanhava de maneira muito desconexa os acontecimentos. Amigas e amigos em São Paulo não paravam de me enviar mensagens com informações, imagens e vídeos sobre as mobilizações de rua. Se hoje é difícil fazer uma interpretação mais consistente sobre aqueles fatos, naquela época era muito pior, visto que a conjuntura estava cheia de armadilhas. Para alguns, havia uma luta em torno de como direcionar as manifestações; na visão de outros, o jogo já estava perdido. As mobilizações que começaram por causa do aumento das tarifas de transporte coletivo em São Paulo ganharam uma dimensão e um significado muito maior.

Eu me lembro de que, naquele período, recebi mensagens de pessoas que estavam com receio de ir às manifestações – isso porque os movimentos progressistas e partidos de esquerda estavam sendo atacados sob os gritos de “sem partido”, “abaixa a bandeira”, e “comunistas”. Recordo bem quando, ao ler os jornais, já em meados de junho, deparei-me com uma foto na qual amigos faziam um cordão de isolamento protegendo um grupo de militantes de esquerda em uma das manifestações. A imagem era por demais simbólica, e a tensão no rosto deles era a expressão mais profunda daquilo que ocorria no País. Confesso que essa foto é uma das primeiras coisas que me vêm à cabeça quando tento retomar algo de junho de 2013.

À época, eu me encontrei com uma amiga em Brasília, professora de Direito Constitucional, a qual me dizia que o clima estava muito estranho, que o exercício das liberdades estava de alguma forma gerando conflitos e que ela sentia um cheiro de República de Weimar no ar. Fiquei paralisado um instante tentando entender por que ela fazia uma relação entre o período pré-ascensão de Hitler e do nazismo na Alemanha e a realidade brasileira. Naquele mesmo dia, assisti a uma imensa massa tomar conta da Esplanada dos Ministérios em Brasília e a alguns manifestantes atacarem o Palácio do Itamaraty (Ministérios das Relações Exteriores). 

Hoje estamos em junho de 2020, de lá para cá já se passaram sete anos, mas parece que é o espírito de junho de 2013 que caminha entre nós, como um gigante violento que, uma vez despertado por uma guerra híbrida, nunca mais voltou a adormecer. Naquele momento era impossível imaginar Bolsonaro como presidente e qualquer pessoa “inteligente” não teria tomado essa hipótese a sério, mas, ao relembrar o comentário da minha amiga professora sobre a República de Weimar, penso que muitos de nós têm uma dificuldade imensa de descortinar os períodos excepcionais, sobretudo quando o mundo parece estar de cabeça pra baixo.

Em realidade, subestimamos os que se opõem à democracia e à Constituição, e aqui não me refiro apenas àqueles que aderem ao fascismo. Sabemos que todo fascismo é de direita, mas que nem toda direita é fascista – e é pelas mãos dessa última que normalmente o fascismo encontra espaço para crescer e se disseminar. O fascismo nunca foi parteiro de si mesmo, assim como o bolsonarismo também não foi.

*Alessandro Soares é doutor e mestre em Direito do Estado pela USP, professor de Direito Constitucional na Faculdade Escola Paulista de Direito EPD e autor do livro « Do estado de exceção ao imperialismo: estratégias teóricas de Carl Schmitt na República de Weimar »