Do encanto com os créditos de abertura de "Alice no País das Maravilhas", visto religiosamente sempre que exibido nas tardes de sábado pelo SBT, veio a paixão pelo cinema como experiência estética, transformadora e expressão de uma ideia, uma história ou do próprio experimento. Por amar o cinema para além dos padrões de qualidade impostos a ele pela mídia, por outras instituições e até por uma crítica datada, veio o meu amor por conversar sobre cinema, aderi-lo, defendê-lo, apropriar-me dele. O Milos Morpha é uma conversa sobre cinema. Aqui, o texto nunca é certo e definitivo. O cinema não é uma fórmula para que cada cineasta se aproxime da solução mais correta, é um conjunto de experiências artísticas que já dura mais de 100 anos, é dessa forma que criticamente percebemos e experimentamos o cinema no Milos Morpha.
Apanhado do Cinema 2017
Mais uma vez, apresento os filmes e trabalhos cinematográficos que se destacaram, para mim, no ano que passou. Considerei bastante cortar algumas categorias, principalmente a de Documentário. Incomoda-me que essa categorização caia numa visão muito industrial do cinema e não corresponda a imersão de um trabalho em outro (a influência de um roteiro para a direção ou da direção para a fotografia, por exemplo). O fato de que Baronesa circulou em festivais de Documentário acentuou esse incômodo porque tenho uma resistência a ler o filme como Documentário. Mas, na medida em que eu ia cortando as categorias, vi-me com menos espaço pra lembrar de filmes que tiveram menos visibilidade e pra chamar atenção pras especificidades de cada um deles. Enfim, no fim das contas, trouxe elas de volta e acrescentei ainda algumas. Eis o lado bom de uma lista pessoal: você inventa o que quiser e defende como puder.
Como sempre, sigam os links! Há textos meus e de outros críticos para a maior parte dos filmes.
Filme:
Direção:
Além das Palavras é um filme duro, triste, e um dos trabalhos mais austeros de Terence Davies. O título original, A quiet passion (algo como “Uma paixão quieta/tranquila”), talvez seja uma melhor indicação da estranha força do filme. A atuação de Cynthia Nixon não só corresponde a esse vigor do filme como é também a força motora da sua desconsolada tristeza. Destaco também o trabalho de Florence Pugh, que, em Lady Macbeth, apresenta uma garota angustiada pela dinâmica doméstica entre as paredes da mansão de que, supostamente, é senhora.
Atriz:
Ator:
A personagem de Dunst foi a que me acompanhou por mais tempo depois das múltiplas vezes que assisti O Estranho que Nós Amamos. O seu desejo de sair daquele espaço não é livre de um ímpeto de crueldade e falta de solidariedade. Gosto do modo como Dunst olha, como ela perde o seu olhar, tira ele daquele espaço; e do modo como ela se abraça, como que para se garantir da própria presença. No caso de Projeto Flórida, é para mim Bria Vinaite que traz a personagem mais representativa do filme, de um universo cheio de afeto que se recusa a se comportar segundo às regras estabelecidas por outros.
Atriz Coadjuvante:
Este ano, decidi levar em consideração as atuações de seriados tanto quanto as de filmes. Em parte, porque me senti mais livre com a presença da terceira temporada de Twin Peaks em diversas listas de melhores filmes do ano, incluindo a das revistas Cahiers du Cinema e Sight and Sound. Mas, ao mesmo tempo, a diferença entre os dois formatos (ficção seriada e cinema) são tão duras que não me senti confortável para misturar as coisas em nenhuma categoria fora estas. E o elenco da série Mindhunter é para mim, de fato, um dos mais impressionantes do ano. E, enquanto Jonathan Groff interpreta um fascista doce, Holt McCallany quebra a expectativa pelo policial veterano inabalável: a fragilidade de seu personagem é uma das coisas que mais me comove no todo da excelente primeira temporada da série.
Corra! apresenta um excelente trabalho de texto e direção, mas sempre acho necessário destacar a composição admirável do filme pelo elenco. Cada um dos atores caminha perfeitamente entre a sátira, o horror e a experiência social dos personagens sem que o filme nunca ceda totalmente a uma dessas vertentes em detrimento das outras. Se Corra! é aclamado como um dos melhores filmes de gênero dos últimos anos, acredito que o elenco, tanto quanto Jordan Peele, é responsável pelo título.
Elenco:
O Outro Lado da Esperança encena a crise econômica e a crise de imigração na Europa a partir da construção de uma ludicidade visual e textual que está sempre dialogando com as apresentações dicursivas e ambientações do filme. Destaco também o roteiro de Arábia, que funde a narração em off do protagonista com a sofisticada construção ideológica do filme.
Roteiro:
A montagem de Baronesa é, para mim, o cerne criativo desse grande filme. É a montagem que constrói uma unidade ficcional a partir daquele universo, que faz um filme da experiência daqueles personagens, compondo uma das mais duras imagens da esperança.
Montagem:
Arábia, pelo estatuto de igualdade no compartilhamento do espaço que a câmera estabelece com o personagem; Que o Verão Nunca Mais Volte, pelo celular que quer dar conta de uma experiência de mundo; A Ghost Story, pela rigorosa cartografia de uma casa; Me Chame pelo Seu Nome, pela afetuosa cartografia de uma relação; e O Estranho que Nós Amamos, pela representação de um Sul irrepresentável.
Fotografia:
O conflito de gerações que se dá a partir de uma oposição entre gêneros musicais pode ser um clichê do cinema americano — é essa, afinal, a trama de O Cantor de Jazz (dir. Alan Crosland, 1927), contestadamente o “primeiro filme falado” —, mas a unidade pela diversidade que se estabelece na belíssima última cena de Patti Cake$ me parece ressoar mais especificamente numa ansiedade contemporânea por “estar junto”.
Trilha Sonora:
Se As Boas Maneiras é um filme que caminha entre gêneros (terror, aventura infantil, musical, para citar poucos), o trabalho de som do filme estabelece entre todos eles uma continuidade diegética, levando-nos para um espaço de fantasia e folclore urbano em que nenhum deles se distingue do outro.
Som:
Vencendo uma desconfiança inicial de que Mindhunter seria mais uma série que se fascina com a ideia dos serial killers como algo que extrapola uma suposta natureza humana, descobri, ao contrário, um trabalho mais interessado no fascismo inerente das instituições policiais e burocráticas, no jogo de poder envolvido nesta empreitada classificatória de destacar os psicopatas numa sociedade de narcisistas.
Série ou minissérie:
Curta ou media-metragem:
Pela rememoração das diversas abordagens à questão racial pela cultura midiática estado-unidense, conduzida pelo texto de James Baldwin e interpretação de Samuel L. Jackson; pelo experimento com um dos gêneros audiovisuais mais fechados e resolvidos em si mesmo; pela visita a um amigo: estes são alguns dos meus documentários preferidos de 2017.
Documentário:
Em um ano fraco para o circuito de animações no cinema, The Story of O.J., videoclipe de Jay-Z, utiliza o cartoon para se apropriar de estereótipos raciais e resgatar a narrativa de uma experiência negra nos EUA em uma apresentação melancólica dos seus vários personagens.
Animação:
Videoclipe:
Cenografia:
Figurino/maquiagem:
Production design:
Menção honrosa:
Leona Vingativa: pelo videoclipe Não Pode Esquecer o Guanto e pela lembrança de uma das mais interessantes experiências cinematográficas brasileiras da década de 2000 nos primeiros minutos de Leona Assassina Vingativa 4: Attrack em Paris.
- O Estranho que Nós Amamos
- Arábia
- O Outro Lado da Esperança
- Projeto Flórida
- Corra!
- Baronesa
- Na Praia à Noite Sozinha
- Eu Não Sou Seu Negro
- Era uma Vez Brasília
- Lady Bird

- Sofia Coppola (O Estranho que Nós Amamos)
- Aki Kaurismaki (O Outro Lado da Esperança)
- Affonso Uchoa e João Dumans (Arábia)
- Adirley Queirós (Era uma Vez Brasília)
- Sean Baker (Projeto Flórida)

- Cynthia Nixon (Além das Palavras)
- Florence Pugh (Lady Macbeth)
- Kim Min-Hee (Na Praia à Noite Sozinha)
- Luciana Paes (O Animal Cordial)
- Saoirse Ronan (Lady Bird)

- Daniel Kaluuya (Corra!)
- Jonathan Groff (Mindhunter)
- Robert Pattinson (Bom Comportamento)
- Timothée Chalamet (Me Chame pelo Seu Nome)
- Jake Johnson (Apostando Tudo)

- Kirsten Dunst (O Estranho que Nós Amamos)
- Bria Vinaite (Projeto Flórida)
- Betty Gabriel (Corra!)
- Marjorie Estiano (As Boas Maneiras)
- Gwendoline Christie (Top of the Lake: China Girl)

- Holt McCallany (Mindhunter)
- Michael Stuhlbarg (Me Chame pelo Seu Nome)
- Armie Hammer (Me Chame pelo Seu Nome)
- Garrett Hedlund (Mudbound)
- Rob Morgan (Mudbound)

- Corra!
- Mindhunter
- Mudbound
- Me Chame pelo Seu Nome
- O Estranho que Nós Amamos

- O Outro Lado da Esperança
- Arábia
- Corra!
- Na Praia à Noite Sozinha
- Lady Bird

- Baronesa
- Arábia
- Lady Bird
- Eu Não Sou Seu Negro
- Sala Verde

- Arábia
- Que o Verão Nunca Mais Volte
- A Ghost Story
- Me Chame pelo Seu Nome
- O Estranho que Nós Amamos

- Patti Cake$
- O Outro Lado da Esperança
- Arábia
- Bom Comportamento
- Me Chame pelo Seu Nome

- As Boas Maneiras
- O Estranho que Nós Amamos
- A Fábrica de Nada
- O Outro Lado da Esperança
- Eu Não Sou Seu Negro

- Mindhunter
- Top of the Lake: China Girl
- The Marvelous Mrs. Maisel

- Deus (dir. Vinícius Silva)
- De Tanto Olhar o Céu Gastei Meus Olhos (dir. Nathália Tereza)
- A Passagem do Cometa (dir. Juliana Rojas)

- Eu Não Sou Seu Negro (dir. Raoul Peck)
- Maria Bamford: Old Baby (dir. Jessica Yu)
- Visages Villages (dir. JR, Agnès Varda)

- The Story of O.J. (dir. Mark Romanek & Jay-Z)
- Batman and Harley Quinn (dir. Sam Liu)
- Viva - A Vida é uma Festa (dir. Lee Unkrich, Adrian Molina)

- Fetish (Selena Gomez, dirigido por Petra Collins)
- Boogie (Brockhampton, dirigido por Kevin Abstract)
- Boys (Charli XCX, dirigido por Charli XCX & Sarah McColgan)

- A Ghost Story
- O Outro Lado da Esperança
- Lady Bird

- O Estranho que Nós Amamos
- Sala Verde
- Projeto Flórida

- As Boas Maneiras
- Era uma Vez Brasíla
- O Estranho que Nós Amamos
- Projeto Flórida
- Nas Profundezas

Comunicar erro
Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar