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por Cesar Castanha
A primeira imagem de Dunkirk no filme que leva seu nome não é da praia, mas de uma rua residencial abandonada. Um grupo de soldados vaga por essas ruas, procurando escapar do cerco alemão depois do fracasso dos países aliados na batalha pela França. No início, apenas caminham contemplando as fileiras de casas abandonadas e parecem tomados pela estranheza da arquitetura quando esta se revela alienada de seu propósito. É desesperador perceber a beleza de casas que não serão mais habitadas e os sinais — arranjos de flores, objetos à janela, papeis levados pelo vento — de que um dia foram.
Dunkirk (dir. Christopher Nolan, 2017) é um filme sobre a evacuação do exército britânico pela praia ao norte da França. É um filme de guerra que busca recriar o movimento da operação a partir de alguns núcleos de personagens. Entre eles, dois soldados que se escondem no píer a espera de uma oportunidade de resgate; um homem de meia-idade que segue a convocação por auxílio voluntário e navega até a praia com seus filhos; e alguns pilotos aéreos que sobrevoam a região para garantir que a evacuação ocorra sem interferência da força aérea alemã.
Há uma certa sofisticação à Nolan na estrutura narrativa do filme, com as experiências distintas da evacuação sendo unidas em uma mesma construção temporal. E o diretor, mais uma vez, parece não perceber o que perde em sua insistente procura pela linguagem que melhor expresse seu virtuosismo. Dunkirk, tão celebrado pela falta de diálogos, é um filme que recusa silêncios. Por um lado, a trilha intermitente de Hans Zimmer amarra todos os instantes do filme em um mesmo tom de ação à espreita e preparo para o pior. Por outro, não há momentos de espera para os personagens, a contemplação, o medo e a ansiedade são deixados naqueles primeiros minutos.
São escolhas curiosas para um filme sobre uma evacuação, ou seja, sobre a espera para a fuga. Nolan se contrapõe com muita clareza a qualquer leitura dessa operação que reconheça nela a sensação de covardia, o aspecto de humilhação da retirada. Jamais. Seus personagens, quando não são voluntários corajosos e solidários, são definidos pela determinação à sobrevivência, o que é heróico o bastante no contexto da guerra. A conclusão do filme é uma afirmação de sua absoluta valentia e uma recusa a reconhecer, na retirada, o fracasso.
É muito evidente que Nolan procura resgatar uma certa supremacia da imagem cinematográfica, a pancada da projeção em tela grande, o ímpeto de resgate do cinema dos diretores da Nova Hollywood. O que por ele aparenta passar despercebido, no entanto, é o interesse do cinema de Francis Ford Coppola e Stanley Kubrick pelas ruínas da derrota, pelo fracasso ocidental e a frustração moral inerente às operações de guerra. Seu cinema, no lugar disso, escorrega pelo caminho da produção mais frágil de Steven Spielberg, o das parábolas morais que escondem seu viés ideológico sob o disfarçe da meticulosa recriação de eventos históricos.
O que Nolan supostamente recria aqui são os detalhes da ação, mas até essa tentativa é prejudicada pela grandiloquência de seu projeto. A sequência de movimentos dos dois rapazes que fogem cria uma imagem da guerra que se assemelha a de Kanal (dir. Andrzej Wajda, 1957), obra-prima fundadora do cinema polonês. Mas Nolan, tão conhecido por se debruçar sobre os detalhes de seu próprio filme até expor toda sua ferramenta criativa, não está realmente preparado para se agarrar à solidão desses detalhes, ao verdadeiro silêncio e à ambiguidade da ação de sobrevivência.
Para isso, o diretor precisaria buscar o filme no seus personagens, encontrar no tema sugestões estéticas, experimentar com a imagem a partir de suas referências. Mas todos esses gestos criativos exigem algum grau de incerteza e imprecisão, o risco do experimento com o cinema. O de Nolan, porém, é um cinema de inabalável precisão técnica. Não há espaço para o mínimo risco ou para qualquer coisa além de sua demonstração segura de habilidade.