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Uma coisa essencial é poder discutir os riscos e benefícios dos remédios com seu médico, e mesmo perguntar se seu diagnóstico foi feito da maneira mais adequada e questionar qual o significado daquele número que aparece no aparelho para sua vida.
Por Lucas Machado*
José tem a pressão arterial medida no exame periódico da empresa: 15x9. O médico do trabalho o encaminha para o cardiologista com o diagnóstico de pressão alta.
Márcia estava com muita dor de cabeça, falta de ar e ansiedade. Foi ao pronto-socorro onde logo na entrada constataram pressão de 17x10. Recebe medicamento e tem alta para casa com prescrição de remédios para pressão. Ninguém aborda a sua crise de enxaqueca, nem o estresse no emprego que a desencadeou. Semanas depois Márcia para de tomar o remédio por causa de tonturas e sensação de desmaio.
Maria mede sua pressão em toda consulta com seu clínico geral, como a última veio um pouco alterada, é solicitado um exame de monitoramento ambulatorial de pressão alta (MAPA) – sua pressão é medida durante 24hs do dia. Os valores médios são de 14x9. O médico prescreve um anti-hipertensivo e diversas mudanças em sua dieta.
Mas afinal, o que é a pressão alta?
A pressão arterial do sangue é um valor que depende da interação de diversos elementos – o sistema cardiovascular e várias influências do meio externo. Ela varia muito ao longo do nosso dia: se estamos ansiosos, nossa pressão sobe. Se levamos um susto (por exemplo, uma fechada de um carro no trânsito, o latido de um cachorro na rua), ela aumenta. Com estresse do dia a dia, do trabalho e dos afazeres, também. Se estamos de pé num dia quente dentro de um ônibus lotado, ela pode cair. Isto é absolutamente normal e todos temos estas variações ao longo do dia.
A hipertensão arterial sistêmica é uma condição em que os valores da pressão arterial estão aumentados de forma contínua. Isto aumenta o risco da pessoa de ter um infarto cardíaco, derrame, dano no rim ou na retina. Neste sentido a pressão alta não é uma doença por si, é um fator de risco. Seu diagnóstico não é tão fácil quanto se pensa. A sociedade brasileira de cardiologia prevê pelo menos duas medidas de pressão, além de considerar o uso de exames complementares para o diagnóstico desta condição. A medida da pressão também não é fácil: exige uma série de condições, posicionamento adequado, e tem 16 etapas, segundo a diretriz brasileira. Porém, sabemos que esta medida é comumente feita de maneira incorreta: apenas 1 de 159 alunos de medicina nos EUA fez corretamente todos os passos da medida de pressão. Isto se mantém verdadeiro mesmo com profissionais de saúde formados.
Portanto, muitas pessoas que se dizem hipertensas não tiveram um diagnóstico correto! São os casos de Márcia e José, no começo deste texto. Mas e no caso de Maria, que teve o diagnóstico corroborado por um exame complementar, o MAPA? O que significa este diagnóstico? Como tratar a hipertensão?
A hipertensão arterial sistêmica pode ser tratada com medicamentos, mudanças no estilo de vida, ou ambos. Por incrível que pareça, o benefício de tomar medicamento para pressão para evitar um infarto, acidente vascular cerebral ou morte, é pequeno. E para pessoas com hipertensão leve, menor do que 16x10, parece não haver benefícios! O tratamento com medicamentos pode levar a efeitos colaterais (como qualquer remédio) desde tontura e quedas, por pressão baixa demais, impotência, incontinência urinária e tosse seca.
O rótulo de hipertenso também pode causar males. Tem pessoas que começam a se sentir mais doentes, sentem que a idade chegou ou que seu corpo é frágil. Várias pessoas se privam de prazeres, especialmente certas comidas. Alguns estudos mostram que a qualidade de vida de indivíduos com rótulo de hipertensão é pior do que de pessoas sem este diagnóstico.
Portanto, Maria pode ter efeitos colaterais dos medicamentos, com pouco benefício para sua saúde, além de uma piora de sua qualidade de vida por se enxergar doente a partir do momento em que o médico lhe contou do diagnóstico.
Neste mês a American Heart Association, influente órgão dos cardiologistas norte-americanos, publicou uma atualização de seu guideline de hipertensão, que trouxe um novo limiar para o diagnóstico de pressão alta: 13x9. Com isto, estima-se que 45,6% dos adultos norte-americanos sejam hipertensos! Será que metade da população precisa tratar com remédios? A premissa desta atualização é de que o tratamento agressivo de fatores de risco como a hipertensão, muitas vezes com auxílio de medicação, poderia prevenir alguns infartos e derrames. Porém, o documento pouco fala dos efeitos colaterais da medicação e mesmo das consequências do rótulo de hipertensão sobre as pessoas. Como já dito aqui, o benefício do uso de medicação anti-hipertensiva em quem tem hipertensão com valores pouco aumentados é muito pequeno. Este guideline ainda teve forte apoio financeiro de diversas indústrias farmacêuticas, o que deve servir de alerta para lermos com cautela este posicionamento, como lembra nosso colega em outro texto. Será que esta atualização foi feita com o melhor interesse dos pacientes em vista?
Não quero neste espaço dizer que hipertensão não tem nenhuma importância, ou que deve ser ignorada. Quero ressaltar que o diagnóstico é muitas vezes feito de forma incorreta, os tratamentos medicamentosos trazem possíveis efeitos colaterais e tem uma baixa eficácia. Ainda assim, este é um rótulo que atinge cada vez mais pessoas. Felizmente, existem coisas que podemos fazer: exercícios físicos regulares além de reduzir a pressão arterial também ajudam na diminuição de risco de doenças cardiovasculares e têm outros efeitos benéficos. Preferir alimentos in natura ou com mínimo processamento em detrimento dos processados e ultraprocessados parece ser uma escolha sábia, lembrando que uma dieta muito restritiva pode causar mais sofrimento do que benefícios. Talvez pensar em cidades mais saudáveis seja importante no controle da pressão alta e na prevenção de infartos: cidades em que andar a pé ou de bicicleta seja fácil e seguro; com parques e com menos poluição do ar. Se mediram sua pressão em um momento de grande ansiedade, dor, estresse e o valor veio elevado, respire fundo: isso não significa que você tem pressão alta! É importante não confundir a pressão arterial com as pressões da vida. Uma última coisa essencial é poder discutir os riscos e benefícios dos remédios que toma com seu médico, e mesmo perguntar se seu diagnóstico foi feito da maneira mais adequada e questionar qual o significado daquele número que aparece no aparelho para sua vida.
*Lucas Machado é médico de Família e Comunidade, atualmente preceptor da residência de Medicina de Família da USP. Gosta de ficção científica, quadrinhos, cerveja, pessoas e gatos. Paulistano e ateu, menos quando o São Paulo joga.
Foto: Commons