Escrito en
BLOGS
el
O papel do enfermeiro no trabalho em equipe da UBS é amplo e necessário, e grande parte de seu atendimento consiste em fazer diagnósticos e prescrever terapêuticas dentro da sua área de atuação.
Por Luiza Magalhães Cadioli*
Recentemente nos deparamos com uma determinação judicial favorável a pedido do CFM, que restringe a atuação de enfermeiros e os impede de fazerem diagnósticos e prescrever medicações e tratamentos para os pacientes. As razões são diversas e há quem diga que existe um interesse de reserva de mercado, ao mesmo tempo que o grupo que defende a medida argumenta que há riscos em submeter pacientes a profissionais não treinados para algumas intervenções. Sabemos como é difícil regulamentar a área de atuação de um profissional de saúde. Sabemos também que independentemente de sua formação oficial, ele pode estar mais ou menos treinado para exercer aquilo que a lei permite, e por aquilo que realiza é responsável e está sujeito às consequências de seus atos.
Não é de hoje que conselhos médicos lutam para modificar aquilo que outros profissionais podem ou não fazer, tais como enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos. A lei do ato médico, de 10 de julho de 2013, tinha como objetivo regular a atuação médica e restringir ao médico a formulação de diagnóstico, prescrição, indicação de órtese e prótese, invasão da epiderme e derme (com agulhas, por exemplo, na coleta de sangue ou acupuntura), o que, após longa discussão, se mostrou absurdo, tamanha é a importância de outros profissionais em cada uma dessas etapas do cuidado em saúde, seja numa UBS, seja num hospital, e diversos desses pontos foram vetados.
O CFM liberou uma nota "esclarecendo" que isso não deve impactar a saúde da população, uma vez que as consultas de enfermagem podem continuar existindo e os diagnósticos e prescrições podem ser feitos, contanto que um médico tenha feito o mesmo diagnóstico anteriormente, ou seja, somente nos casos de doenças crônicas bem estabelecidas, pacientes que passam na UBS de tempos em tempos para renovar receitas. Acontece que o atendimento na estratégia de saúde da família na atenção primária do SUS se dá (ou deveria se dar - estamos lutando pra isso) de outra forma. Foi-se o tempo em que consultas programáticas e agendadas com seis meses de antecedência dominavam os atendimentos. Hoje em dia, cada vez mais, há uma luta crescente para que o acesso avançado seja implementado, para que as pessoas tenham suas mais variadas necessidades atendidas e preferencialmente no mesmo dia, para que a estratégia de saúde da família e a atenção primária com o trabalho em equipe sejam um modelo a ser seguido e resolutivo.
O papel do enfermeiro no trabalho em equipe da UBS é amplo e necessário, e grande parte de seu atendimento consiste em fazer diagnósticos e prescrever terapêuticas dentro da sua área de atuação: solicitar exames de pré-natal, o próprio teste de gravidez, teste rápido de sorologias (sífilis e HIV), prescrever analgésicos, dentre muitos outros procedimentos. Existe, inclusive, uma residência para esses profissionais que querem trabalhar na atenção primária. Além disso, toda a atuação do enfermeiro é regulamentada pela lei 7498 de 25/06/1986 e com apoio do Cofen e do Ministério da Saúde, seguindo as normas e protocolos da política nacional de atenção básica de 21 de outubro de 2011 (veja aqui).
Entidades já se posicionaram contrárias à liminar, tais como o Conselho Federal de Enfermagem (veja aqui) e a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (veja aqui), já que é uma tragédia anunciada a proibição de um trabalho tão importante que impacta na saúde de milhares de pessoas, especialmente as de baixa renda, os maiores usuários dos postos de saúde. Atividades para as quais tinham autonomia já estão comprometidas, como é o caso do aconselhamento, diagnóstico e tratamento de sífilis (link).
É preciso ouvir os profissionais de atenção primária que estão na ponta, não só os médicos, mas enfermeiros, auxiliares de enfermagem, fisioterapeutas e inclusive os usuários. Enquanto isso, permanecemos vítimas das decisões daqueles que estão trancados em seus consultórios e escritórios e desconhecem a prática que depende do trabalho em equipe.
*Luiza Magalhães Cadioli é mulher, feminista e médica. Fã de poesia, poeta nas horas vagas. Apaixonada por livros, música, pessoas e gatos.
Foto: Reprodução