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Por Amir Khair, no Estadão
As análises econômicas têm dado excessiva importância ao ajuste fiscal representado por um superávit primário (receitas menos despesas, exclusive juros) de 1,2% do PIB neste ano, reduzido oficialmente para 1,1%.
Parecem esquecer que o que interessa para a aferição do resultado fiscal é a diferença entre receitas e despesas, inclusive juros, que é denominado de resultado nominal. É esse resultado que determina com o PIB a evolução da relação dívida/PIB, principal indicador observado nas análises internacionais, especialmente pelo FMI, Banco Mundial, BID e agências de classificação de risco.
Para exemplificar: entre 2002 e 2013, o melhor superávit primário ocorreu em 2005 (3,74% do PIB) e o pior em 2013 (1,77% do PIB). Mas 2013 apresentou déficit fiscal de 3,05% do PIB e 2005 teve déficit maior (3,54% do PIB). Isso porque os juros em 2005 atingiram 7,28% do PIB e em 2013 bem menos (4,83% do PIB).
No ano passado, ocorreu déficit primário de 0,59% do PIB, juros de 5,64% do PIB e déficit fiscal de 6,23% do PIB (0,59 mais 5,64). Foi o pior déficit fiscal da série iniciada em 2002. Essa é a principal razão de acender a luz vermelha nas finanças públicas.
Neste ano, com a proposta do chamado ajuste fiscal, se tudo der certo para atingir um superávit primário de 1,1% do PIB, a despesa com juros é que vai determinar o déficit fiscal e, venho apontando que, por causa de uma dívida e taxa de juros mais elevadas que em 2014, é fácil prever que os juros vão pelo menos bater em 7,5% do PIB gerando um déficit fiscal de 6,4% do PIB (7,5 menos 1,1). Pior que o péssimo resultado de 2014 (6,23% do PIB).
O alerta pode ser dado pelo resultado dos últimos 12 meses encerrados em março, quando os juros atingiram 7,11% do PIB, o déficit primário foi de 0,70% do PIB e o déficit fiscal atingiu 7,81% do PIB (0,70 mais 7,11). Neste primeiro trimestre, enquanto o governo procura fazer uma economia nos direitos trabalhistas e na previdência social de R$ 18 bilhões, já reduzidos para R$ 14 bilhões pela Câmara para todo o ano, as despesas com juros atingiram R$ 85 bilhões ou 1,47% do PIB! Dado mais estarrecedor é o aumento só neste primeiro trimestre na dívida bruta: R$ 227,8 bilhões! Triste ajuste!
Mas por que isso está ocorrendo? Em parte, pela péssima herança do primeiro mandato de Dilma Rousseff, que deixou um déficit fiscal de 6,23% do PIB, causado principalmente pela elevação da Selic. Em 2014, a relação dívida/PIB começou em 53,3% e terminou em 58,9%, ou seja, cresceu 5,6 pontos.
A parte do Leão, no entanto, vem de longa data, atravessando vários governos: é o excesso de juros que pesam na estrutura do déficit fiscal. E isso ocorre pelo elevado nível que os diversos governos fixaram através do Banco Central para a Selic: FHC, 21,5%; Lula, 14,9%; e Dilma (1.º mandato), 9,9%. Neste ano, a Selic deverá ficar em 14%, que comparado com a média em 2014 (11%) representa uma elevação de 27%.
O Brasil é o país que historicamente vem apresentando as maiores taxas de juros do mundo e a justificativa é para controlar a inflação. Vejamos um pouco mais de perto esse propalado argumento decompondo o IPCA nos seus quatro componentes básicos e respectivos pesos e inflação média anual nos últimos quatro anos (2011/2014): a) serviços com peso de 35% e inflação de 8,7%; b) alimentos com peso de 25% e inflação de 8,4%; c) preços monitorados com peso de 20% e inflação de 4,2%; e d) demais itens com peso de 20% e inflação de 5,2%.
Os primeiros três itens somam o peso de 80% na composição do IPCA e não sofrem a influência da Selic. Os demais itens são bens sujeitos à concorrência externa e, portanto, ao câmbio. Assim, o que o Banco Central pode alcançar com a Selic é sobre os 20% de peso correspondente aos bens sujeitos à concorrência externa e o faz via âncora cambial usada desde o Plano Real.
Isso consiste em manter o real valorizado em relação ao dólar para baratear os bens importados causando sérios danos econômicos e sociais: a) age contra a responsabilidade fiscal ao criar juros acima de 7% do PIB; b) coloca o câmbio fora de lugar criando rombo nas contas externas de US$ 90 bilhões (4,2% do PIB); c) é recessivo, pois desloca produção e venda para os países que para cá exportam; e d) gera um custo de carregamento das reservas internacionais que custa R$ 140 bilhões ao ano.
O problema existe, pois a economia não funciona quando não se integra a política monetária com a política fiscal. Cada uma puxa para o lado oposto. A fiscal buscando resultado primário e a monetária elevando juros para baratear o produto importado e combater os 20% do IPCA.
Há décadas o País não se liberta dessa armadilha na qual é atribuída a responsabilidade exclusiva da inflação ao Banco Central (BC).
A inflação extrapola, como vimos, a competência do BC, que se vê obrigado a agir da forma como vem fazendo, criando as anomalias citadas.
Mas há alternativas a essa política? Felizmente sim e independe do Congresso que atua fazendo chantagem contra o Executivo para aprovar parte do ajuste fiscal e cria novas despesas sem sentido.
Tenho defendido em outros artigos o seguinte:
Questão fiscal. Em vez de ajuste que só mexe timidamente com o superávit primário, o objetivo é atacar todas as despesas e receitas, principalmente juros, como estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 1.º). Para reduzir juros há que estancar/reduzir o valor absoluto da dívida bruta e reduzir gradualmente as taxas de juros que incidem sobre ela e que são balizadas pela Selic. A dívida atingiu em março R$ 3,1 trilhões (56,2% do PIB). Caso submetida à taxa de juros de 13,5%, causa uma despesa com juros anual de R$ 423 bilhões (7,6% do PIB).
Ao reduzir a Selic para o nível da inflação e ampliar a base monetária em vez de emitir título, como fazem os países, os juros vão caindo. Caso se vá além, vendendo reservas internacionais em excesso, cai a dívida bruta. Essas reservas estavam em US$ 371 bilhões em março. No ápice da crise de 2008, estavam em US$ 200 bilhões, suficientes para enfrentar a turbulência de mercado. Caso se vendam US$ 100 bilhões (R$ 330 bilhões), abate-se a dívida bruta nesse montante, ou seja, 11% dela.
Contas externas / crescimento. O câmbio fora de lugar causado pela elevada Selic e swaps cambiais segura a cotação em R$ 3,20 / R$ 3,30. Caso possa oscilar, estimo que vá entre R$ 4,50 e R$ 5,50. Isso permitirá elevar exportações e reduzir importações no rumo do equilíbrio das contas externas que estão deficitárias em 4,2% do PIB. Além disso, inverte o fator externo que reduz um ponto porcentual no PIB.
Há que mudar! Ainda há tempo.