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Por Maria Mello, especial para o Escrevinhador
É chover no molhado dizer que a mídia tem lado, que se configura hoje em um partido político e que o jornalismo impresso está fadado a morrer em função do avanço da Internet?
Não quando é possível enxergar, num texto de teatro do século XVII, similitudes com o sistema de comunicação atual quase 400 anos depois de sua publicação: “(...) notícias criadas à moda de hoje, vigarices semanais feitas para ganhar dinheiro. E não poderia haver melhor forma para criticá-las do que criar essa ridícula agência, esse mercado onde cada época pode ver sua própria insensatez, sua fome e sede de panfletos de notícias que saem às ruas todos os sábados e que são escritos por quem não sai de casa, sem uma sílaba de verdade”.
O Mercado de Notícias (The staple of news), do dramaturgo britânico Ben Johnson, foi escrita em 1625 e conta a história de Pila Júnior, um jovem perdulário londrino que ao perder o pai e alcançar a maioridade passa a torrar a fortuna herdada com futilidades – entre elas, a compra de ‘novidades’ produzidas por um recém-montado Mercado de Notícias.
Aquela invenção, que viria a se tornar o jornalismo como hoje conhecemos, já priorizava a venda de fofocas em detrimento de acontecimentos relevantes, a manipulação da informação no lugar da apresentação dos fatos e a promíscua relação entre jornalistas e fontes, entre outras práticas pra lá de atuais.
Este é o ponto de partida da argumentação do documentário de Jorge Furtado, lançado em agosto: discutir uma suposta essência do fazer jornalístico e o seu porvir. (veja o trailer no final)
Na obra, o diretor intercala trechos da encenação da peça (traduzida e adaptada exclusivamente para o documentário) com entrevistas concedidas por treze profissionais de comunicação que considera “intelectualmente honestos” (funcionários de jornalões, de revistas consideradas contra-hegemônicas e blogueiros - desses, apenas duas mulheres, Renata Lo Prete e Cristiana Lôbo).
O papel político do jornalismo
Em tempos de eleição, a já desgastada discussão sobre imparcialidade jornalística torna-se ponto vital do debate amplo que o documentário propõe. A despeito de todos os entrevistados confirmarem a sua inexistência, Furtado desvela, no risível episódio da “bolinha de papel” que atingiu José Serra durante a campanha eleitoral de 2010, a opção da mídia hegemônica em silenciar sobre o que realmente aconteceu.
Dessa forma, evidencia que, além de parcial, o profissional de comunicação tende a se tornar um agente político de destaque, com poder desigualmente superior ao conferido à maioria da sociedade.
Neste ponto, Bob Fernandes põe o dedo numa ferida aberta, e que sangra mais a cada nova capa de revista: o PT, ao chegar ao governo, passou a se considerar parte de um “clube” do qual jamais foi aceito (das grandes elites, incluídos os barões da mídia). Ao optar por resolver suas querelas pelo “alto” (via relação direta com seus donos), dá com os burros n'água e se torna, a cada dia, mais refém dos veículos que tenta, sem sucesso, agradar.
Fim do jornal impresso?
Se o declínio do jornal impresso é uma realidade irrefutável, há no filme uma discussão interessante: a responsabilidade de sua queda poderia ser atribuída não apenas ao crescimento da Internet, mas ao tipo de jornalismo que se pratica no Brasil.
Para o legendário Raimundo Pereira, o jornal produzido pela empresa jornalística burguesa (com vários jornalistas, editores, colaboradores etc) é o melhor formato já inventado, por permitir uma visão sintética e panorâmica das notícias (do dia, da semana, do mês).
Mas é Jânio de Freitas quem dá a dica, ao lembrar de uma afirmação de Marx que supõe que “se os prussianos não se interessam pelos jornais prussianos, é porque talvez os jornais prussianos não se interessem pelos prussianos”.
Mais do que defender uma tese, a provocação central que Furtado apresenta é: será que, ao escamotear a importância do debate franco e plural, seja por motivos ideológicos ou econômicos, os jornais brasileiros estariam fadados a desaparecer?
Limites
Ao limitar-se a discutir apenas o jornalismo impresso, contudo, Furtado acaba evitando uma discussão mais ampliada sobre o tema, ao meu ver: se os jornais estão com os dias contados, a TVs e as rádios reinam, vigorosamente monopolizadas, acometidas pelos mesmos problemas (ou piores, posto que não contam com as cabeças pensantes dos impressos) e protegidas por uma atmosfera de medo que paralisa a sua regulamentação.
O filme é, por vezes, conciliador, tem um tom idealizado do jornalismo, mas é sem dúvida um indutor de grandes e importantes reflexões.