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por Marcelo Salles (*)
O mês de abril foi auspicioso para os Direitos Humanos. Entre os avanços e recuos, as violações e as promoções, o saldo foi positivo. Se por um lado 30 pessoas em situação de rua foram barbaramente assassinadas desde agosto em Goiânia, por outro o prefeito instalou um centro de referência na cidade para proteger essas pessoas e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos foi a público denunciar a política de extermínio em curso no estado e a incompetência das autoridades locais para lidar com a questão, pedindo a federalização das investigações. Se tivemos um deputado vinculado à violação de direitos eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, também tivemos um momento em que o país discutiu intensamente as diversas pautas de Direitos Humanos.
O mais emblemático viria logo no início do mês. No dia 2 foi aprovado, na Câmara dos Deputados, o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que certamente é um dos maiores avanços conquistados pelo país na última década – apesar de não ter recebido grande espaço nas corporações de mídia.
Quando promulgado, o Brasil terá um poderoso instrumento para o enfrentamento da tortura nos presídios e demais instituições fechadas. Além dos mecanismos análogos nos estados, teremos agora, em âmbito nacional, um comitê com 23 integrantes e um corpo de onze peritos que poderão realizar visitas sem aviso prévio e relatar os problemas encontrados às autoridades competentes. Pela primeira vez o país terá um instrumento dedicado exclusivamente ao enfrentamento dessa grave violação dos direitos humanos.
Quando constatadas violações, os peritos irão elaborar relatórios com recomendações aos diretores dessas instituições e às demais autoridades competentes, que terão um prazo determinado para adotar as devidas providências.
A decisão dos deputados, que aprovaram a lei por ampla maioria (todos os partidos encaminharam pela aprovação, à exceção do PTB que liberou a bancada), não apenas alinha o país à normativa internacional de combate à tortura, de acordo com as diretrizes das Nações Unidas. Esta decisão evidencia que o Brasil, no último período, tem avançado a passos largos na institucionalização de instrumentos garantidores dos Direitos Humanos.
Quando estiver em plano funcionamento, esse sistema permitirá a constituição de uma base de dados com informações pormenorizadas a respeito das instituições fechadas em funcionamento no país. Isso facilitará não só o monitoramento de tais instituições, mas também a elaboração e a implementação de políticas públicas que contribuam para assegurar os direitos básicos nesses estabelecimentos.
Quis o destino que a aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados ocorresse no início de abril, época em que, há 49 anos, o país via nascer uma ditadura que sequestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros. Um regime baseado na mentira dos laudos forjados, na vergonha da ocultação de cadáveres, na tortura como prática de controle social.
Quase meio século se passou, mas infelizmente a sociedade ainda convive com resquícios autoritários. Entre esses, destaca-se a prática abominável da tortura, que encontra terreno fértil justamente nas instituições fechadas, que estão distantes do olhar e do julgamento da sociedade.
Por isso, o Brasil, em sua opção definitiva pela democracia, avança para a instituição do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que tem como objetivo estabelecer novos paradigmas de funcionamento das instituições fechadas: a transparência como valor em si e o respeito aos Direitos Humanos como filosofia de gestão.
(*) Marcelo Salles é jornalista. No Twitter é @marcelosallesJ