Bancos se preparam para pesadas multas e ações judiciais

Da Carta Maior: O escândalo é uma bola de neve que envolve cerca de 20 bancos de renome internacional em três continentes que operam sob nove sistemas regulatórios diferentes. Os Estados Unidos acusaram o Reino Unido que anunciou uma investigação independente; o banco britânico Barclays pagou uma multa recorde de 453 bilhões de dólares; na Alemanha, o Deutsche Bank reconheceu que seu pessoal tomou parte na manipulação; e, no Japão, a entidade financeira mais importante, o Bank of Tokyo-Mitsubishi, acaba de suspender um executivo financeiro por sua suposta participação no escândalo.

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Por Marcelo Justo, na Carta Maior O escândalo é uma bola de neve que envolve cerca de 20 bancos de renome internacional em três continentes que operam sob nove sistemas regulatórios diferentes. Os Estados Unidos acusaram o Reino Unido que anunciou uma investigação independente; o banco britânico Barclays pagou uma multa recorde de 453 bilhões de dólares; na Alemanha, o Deutsche Bank reconheceu que seu pessoal tomou parte na manipulação; e, no Japão, a entidade financeira mais importante, o Bank of Tokyo-Mitsubishi, acaba de suspender um executivo financeiro por sua suposta participação no escândalo. A manipulação da taxa Libor e da Eurolibor, referências chave para a taxa de juro internacional, é equivalente a combinar o resultado de uma partida de futebol para garantir lucros milionários nas casas de apostas. Só que no escândalo Libor-Eurolibor está em jogo o sistema financeiro internacional com cifras que causam vertigem. Estas taxas não só servem para determinar o preço do dinheiro para hipotecas e outros empréstimos, como também são uma peça chave no opaco mundo dos derivados. Calcula-se que o escândalo envolva transações destes instrumentos financeiros em um valor total de 500 trilhões de dólares, 4 vezes o PIB dos Estados Unidos. “A manipulação da taxa se converteu em uma arma chave após a queda do Lehman Brithers em 2008 com a qual os “traders” dos bancos convertiam posições negativas tomadas no mercado creditício e de derivados em posições positivas às expensas dos que não participavam desta manipulação”, disse à Carta Maior o professor de Economia do Centro de Investigação da Mudança Sociocultural (CRESC) da Universidade de Manchester, Michael Moran. Nesta sexta-feira, 10 de agosto, a Financial Services Authority, que regula o setor financeiro, publicou um documento inicial no qual considera distintas alternativas sobre o futuro da Libor, desde uma emenda até sua total eliminação. O documento dá um prazo de quatro semanas aos bancos para responder: a recomendação final será publicada no fim do mês e será decisiva para o futuro da taxa Libor. O escândalo que mantem o mundo financeiro apreensivo ativou uma larga cadeia de demandas judiciais e tem sido seguido de perto pela imprensa internacional desde que, em 2008, esse paladino do sistema financeiro, o Wall Street Journal, de Ruppert Murdoch, denunciou possíveis manipulações da taxa. O cartel financeiro A Libor é calculada com base na informação dos principais bancos sobre o custo de seus empréstimos interbancários. A Associação de Banqueiros se encarrega de estabelecer a taxa com o valor médio desse custo. Em um mercado como o de derivados, uma manipulação da taxa de 0,01% pode significar centenas de milhões de dólares de lucros ou perdas. As distintas investigações em curso e as ações judiciais deverão determinar responsáveis materiais e intelectuais. No momento, segundo a investigação realizada pelas autoridades reguladoras dos Estados Unidos e da Grã Bretanha, os autores parecem ser os “traders”, encarregados dos mercados de dinheiro e da informação de cada banco sobre o custo dos empréstimos. Os e-mails descobertos são reveladores. “Se essa taxa não muda, estou morto”, disse um “trader” a um colega em outubro de 2006. “Te devo uma. Quando passar em meu escritório, abrirei uma garrafa de Bollinger”, diz outra mensagem. Phillippe Moryoussef, um “trader” de origem marroquina, chegou a apostar 30 bilhões de euros nos movimentos da taxa de juro. “A chave é que isso não se pode fazer isso sozinho”, ufanou-se diante de colegas do HSBC, Société Generale e Deutsche Bank. O escândalo se estende de 2005 a 2009. Em uma primeira etapa, estava mais vinculado aos bônus que os traders recebiam. Com a contração de crédito de 2007, a manipulação se converteu em uma arma de sobrevivência dos bancos. A queda do Lehman Brothers, em setembro de 2008, havia terminado de secar um mercado anêmico de fundos: as taxas de referência para os empréstimos interbancários podiam representar a vida ou a morte de uma entidade. O multado Barclays, o UBS, o Citigroup, o Royal Bank of Scotland, o Deutsche, a Société Generale se encontram entre os bancos suspeitos de manipulação das taxas naquelas turbulentas jornadas nas quais o sistema financeiro internacional parecia preso apenas por um fio. Os bancos estão se preparando para pesadas multas e demandas judiciais nos Estados Unidos e Europa. O JP Morgan calcula que as entidades envolvidas terão que desembolsar cerca de 22 bilhões de dólares. Se a isso se somar que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), os bancos têm vencimentos de dívida de mais de 3,5 trilhões de dólares (a terça parte do PIB dos EUA), pode-se avaliar o impacto de fundo que pode ter essa crise. A estratégia estadunidense Em 2008, o então presidente do Banco Central de Nova York, Timothy Geithner, escreveu ao presidente do Banco Central da Inglaterra, Mervyn King, para alertá-lo sobre possíveis manipulações da taxa Libor. Em sua declaração no final de maio ante o comitê de serviços financeiros do Congresso, o hoje ministro de Finanças de Barak Obama, acusou abertamente o Reino Unido. “Nós alertamos os britânicos sobre nossas inquietudes. Achamos na ocasião e ainda pensamos assim, que era sua responsabilidade resolver esse problema”, disse Geithner. Desde então as autoridades estadunidenses realizaram duas denúncias graves contra entidades britânicas. O HSBC foi acusado de fazer vistas grossas à lavagem de dinheiro vinculada ao narcotráfico do México, enquanto que o Standard Chartered, o único grande banco britânico que havia escapado da onda de escândalos, foi denunciado por fazer algo similar com o Irã. O HSBC, que reconheceu que sua conduta foi “reprovável”, fez provisões no valor de 2 bilhões de dólares para fazer frente a esta denúncia, a da Libor, e outras em nível local como a venda fraudulenta de empréstimos a pequenas empresas do Reino Unido. Mas a Standard Chartered negou as acusações, apesar de a autoridade financeira nova-iorquina ter sido muito precisa nos detalhes, assinalando, entre outras coisas, que havia eliminado os nomes das pessoas para as quais se transferia dinheiro para ocultar que eram iranianos. Nos setores vinculados à City começaram a falar esta semana sobre uma manobra importante dos EUA para desviar a atenção de seu próprio sistema financeiro e substituir a City como centro mundial, um velho objetivo norteamericano. O editor de City Am, jornal da City, o ultramonetarista Allister Heath, disse quarta-feira que todos os países são responsáveis pela crise, começando pelos próprios Estados Unidos. No mesmo jornal o deputado trabalhista John Mann falou de uma guerra aberta estadunidense. “A maioria das entidades envolvidas no escândalo Libor são estadunidenses, de modo que é difícil entender que se diga em Washington e Nova York que esse é um problema britânico. A proximidade das eleições presidenciais não é uma coincidência. Os Estados Unidos querem que Nova York tome o lugar de Londres”, assinala Mann. Nesta quinta-feira, o prefeito de Londres, o conservador Boris Johnson, acusou os Estados Unidos de empregar táticas protecionistas. “É de se pensar se toda essa crítica aos bancos britânicos não está se convertendo em uma forma de protecionismo, motivado em parte pela inveja que produz a City”, escreveu o prefeito. As conspirações são difíceis de provar de maneira conclusiva, mas uma coisa está clara. O rio das finanças está mais revolto que nunca e não faltam pescadores para aproveitá-lo. Tradução: Katarina Peixoto