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Por Izaías Almada
Acabo de assistir a um vídeo inacreditável. Gravado por funcionários da Rede Globo de Televisão, o vídeo tem a intenção de criticar a construção de uma hidrelétrica na Amazônia brasileira, a de Belo Monte. Tema polêmico por natureza e que, no atual momento político brasileiro e de crise econômica mundial, poderá crispar ainda mais os debates sobre o assunto.
Antes mesmo de ver a última imagem do vídeo, minha memória transportou-me à lembrança de um amigo que não vejo há anos e que espero, sinceramente, esteja vivo e gozando de boa saúde. O amigo Tatá.
Tatá era filho de um funcionário público do governo federal ainda nos tempos do presidente Juscelino Kubstcheck. A família mudou-se para Brasília, mas o Tatá terminou seus estudos no Rio de Janeiro, onde também eu vivi por dois ou três anos. Foi quando o conheci.
Ser humano pacato, de fala arrastada, não era afeito a polêmicas. Fugia de uma discussão como o diabo da cruz. Não era muito chegado ao trabalho e vivia de biscates como costumava dizer. Quem quisesse encontrar o Tatá era só ir até a sua casa, numa tranquila rua da Tijuca, e lá bater um papo com ele na agradável varanda da casa. Ou mesmo no quintal, onde cuidava de dois cães, um pastor alemão e um dobermann, fiéis defensores do patrimônio familiar.
Nessa época o Tatá era proprietário de um fusca, presente do pai e, em meio à inflação que corroia a economia brasileira, gabava-se de só colocar dez cruzeiros de gasolina no tanque do carro. O preço do combustível poderia subir, mas meu amigo Tatá só gastava seus indefectíveis dez cruzeiros para encher o tanque. Nós, seus amigos, costumávamos rir da situação, mas o Tatá, sempre bem humorado, dizia: “Estão rindo do quê? Esse é o meu jeito de fazer economia”. Na verdade, era uma maneira de economizar, claro, mas um dia o fusca não sairia da garagem, como é óbvio.
Outra história saborosa do Tatá é que ele passava dias na varanda da casa olhando o horizonte, até que recebeu o apelido de Fiscal da Natureza. Pensam que ficou chateado com isso? Nada, incorporou o apelido e até se orgulhava dele, pois dizia que a natureza tinha que ser preservada de seu principal predador, o homem. Como não gostava de discussões, jamais se dispôs e dialogar sobre todos os fatores que envolvem muito dos conceitos de economia e meio ambiente.
O Tatá tinha tudo para se tornar um desses especialistas normalmente entrevistados em programas de televisão, em especial os da Rede Globo de Televisão, palco aonde qualquer argumento, venha ele de onde vier, pode se tornar um indício contra ou a favor de qualquer coisa, por vezes verdadeiras aulas sobre nada ou coisa nenhuma. Como o tal vídeo sobre Belo Monte.
O Eduardo Guimarães no seu Blog da Cidadania ironizou a defesa que os funcionários da emissora fazem dos índios brasileiros, afirmando que provavelmente a maioria daqueles depoentes jamais tenha visto um índio brasileiro de perto. Concordo. Ou talvez tenham visto índios em telenovelas. Ou seria a defesa do Índio do Brasil, aquele que foi candidato a vice do cidadão José Bolinha de Papel Serra?
Ironias à parte, a discussão sobre a hidrelétrica de Belo Monte neste momento, reveste-se de características que para muitos de seus adversários se somam a argumentos de forte coloração oportunista antigovernamental. Se não é esse o verdadeiro motivo, listo aqui alguns temas para o mesmo grupo gravar outros vídeos e com isso demonstrar a sua consciência política, independência e fé nos valores verdadeiramente democráticos:
1 – Um vídeo pela despoluição do Rio Tietê provocada por indústrias às suas margens;
2 – Um vídeo condenando o massacre de índios kaiowa guaranis no Mato Grosso do Sul a soldo de fazendeiros da região;
3 – Um vídeo condenando a vergonhosa corrupção no metrô de São Paulo (leia-se governo do PSDB);
4 – Um vídeo condenando o irresponsável vazamento de petróleo da empresa Chevron no litoral fluminense.
Fica aí a sugestão para os mauricinhos da oposição, que muito me lembraram o Tatá.
Izaías Almada é escritor, dramaturgo e roteirista cinematográfico, É autor, entre outros, dos livros TEATRO DE ARENA, UMA ESTÉTICA DE RESISTÊNCIA, da Boitempo Editorial e VENEZUELA POVO E FORÇAS ARMADAS, Editora Caros Amigos.