Escrito en
BLOGS
el
Por Pedro Pomar
A chamada reestruturação neoliberal do capitalismo afetou, em maior ou menor grau, todas as categorias de trabalhadores, e não só os situados na produção industrial. Os chamados “trabalhadores intelectuais”, como os jornalistas, os professores e outros assalariados, também sofreram o impacto das mudanças destinadas a maximizar os lucros do capital, reduzir a massa salarial, apoderar-se dos fundos públicos, quebrar a solidariedade entre os trabalhadores etc.
Nas últimas décadas, o capitalismo voltou-se crescentemente para o setor educacional, visto como uma das “fronteiras” a desbravar, por meio da transformação do conhecimento em mercadoria, da privatização direta ou disfarçada (substituição total ou parcial do poder público) e da aberta interferência de órgãos como o Banco Mundial na política dos países em desenvolvimento, no sentido de obter o rebaixamento das pretensões educacionais destas nações.
A professora Miriam Limoeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, assim resumiu o processo de “mundialização” do capital, na Revista Adusp 22, de 2001, p. 39: “O capital mundializado reorganiza a vida coletiva, reordena o Estado, desobrigando-o com as áreas sociais (educação, saúde, cultura, habitação, urbanização), mas acentuando mais do que nunca seus compromissos com o capital. Desarticula e reprime os sindicatos e toda e qualquer forma de organização autônoma e de resistência no campo do trabalho. Sob a hegemonia do capital financeiro rentista, a atividade produtiva se deslocaliza e se relocaliza em escala planetária, a lógica mercantil é disseminada por todo o tecido social e transforma tudo em mercadoria, destruindo a formação social que conhecemos como sociedade e esterilizando o campo da cultura naquilo que lhe é essencial e que por isso mesmo não é mercantilizável: seu potencial crítico criador e contestador. Uma reforma de tal dimensão reorganiza também o sistema educativo, especialmente a Universidade, e procura novos meios de legitimação.”
Uma das consequências desse processo de mercantilização acentuada do ensino e de rebaixamento deliberado das potencialidades da escola pública de todos os níveis é a imposição de paradigmas empresariais, de mercado, para medir a “produção” dos professores, por meio de processos de avaliação decididos e implantados de cima para baixo, por ministérios, secretarias ou agências normatizadoras.
Os docentes das universidades e faculdades privadas sentiram na pele uma aguda deterioração das condições de trabalho, na medida em que o governo FHC, além de confiar a essas instituições a missão de expandir o ensino superior, desobrigou-se de exigir delas a necessária qualidade e o necessário respeito à legislação trabalhista. O governo Lula expandiu o sistema público de ensino superior, mas manteve os privilégios do ensino superior privado, contemplado com o Prouni. Na maioria das instituições privadas, chegou-se à seguinte situação kafkiana: professores escondendo seu título de doutor, para evitar a demissão! O ensino privado demite para não ter de pagar um pouco melhor. E a lei atual só exige das universidades “30% de mestres ou doutores”.
Nas universidades públicas federais e estaduais, por outro lado, passou-se a exigir do professor não apenas a titulação de doutor, mas que preencha uma série de requisitos que atestem sua “produtividade”: participação em congressos, publicação de artigos em revistas científicas estrangeiras “de alto impacto” (conforme um ranking de publicações denominado Qualis), participação em projetos etc. A pesquisa passou a ser supervalorizada, em detrimento da docência, como se esta fosse atividade menor. A quantidade passou a prevalecer, em prejuízo da qualidade.
A carga de trabalho do professor universitário, nessas condições, aumentou muito, exceto para aqueles que galgam postos de mando na burocracia universitária, ou se deixam seduzir pelas delícias das fundações privadas ditas “de apoio” (entidades que se encarregaram de privatizar pedaços inteiros da USP, UnB, UFRJ, UFSC e diversas outras importantes universidades públicas). O professor passou a ser avaliado continuamente por órgãos de controle locais e externos, conforme as normas e diretrizes emanadas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes, agência do MEC), às vezes “aperfeiçoadas” pelos burocratas das próprias universidades.
O resultado da crescente pressão e controle sobre os professores universitários tem sido um notável desgaste físico e psicológico desses profissionais. As exigências do chamado produtivismo acadêmico provocam estresse laboral e até a Síndrome de Burnout, conjunto de distúrbios de saúde física e mental. Mais ainda, o produtivismo induz casos de assédio moral, pois chefes e colegas interessados em alcançar determinadas metas — por exemplo, uma nota mais alta para seu programa de pós-graduação, na avaliação trienal nacional realizada pela Capes — fustigam o docente supostamente “incapaz” ou “improdutivo” para que aumente seus índices de produtividade.
As doenças ocupacionais relacionadas ao produtivismo acadêmico são o assunto de capa da Revista Adusp 48, de setembro de 2010, disponível em www.adusp.org.br. Na mesma página, há um espaço exclusivo com diversas referências úteis sobre o tema produtivismo acadêmico: www.adusp.org.br/campanhas/produtivismo/index.html
Pedro Pomar é jornalista, editor da Revista Adusp e doutor em ciências da comunicação.