O carro elétrico é uma saída para o Brasil?

"A quem interessa o advento do carro (particular) elétrico? Sem meias palavras, interessa à ideologia do transporte individual e do interesse privado. Essa ideologia (que tem como referência os EUA e Japão) olha para o caos urbano diário na cidade de São Paulo e só vê algumas consequências danosas como a poluição atmosférica." O artigo é de José Augusto Valente, no Portal T1.

Escrito en BLOGS el
Reproduzo o texto de José Augusto Valente, publicado originalmente no ótimo "Portal T1" - especializado em transporte e logística. É uma boa fonte para ter um contraponto às teorias do "caosaéreo". Um lugar de debate sério, sobre um tema fundamental para o Brasil: infra-estrutura. ====  Carro elétrico: conflito entre os interesses privado e público por José Augusto Valente A quem interessa o advento do carro (particular) elétrico? Sem meias palavras, interessa à ideologia do transporte individual e do interesse privado. Essa ideologia (que tem  como referência os EUA e Japão) olha para o caos urbano diário na cidade de São Paulo e só vê algumas consequências danosas como a poluição atmosférica decorrente dos cinco milhões de automóveis vomitando gigantescos volumes de CO2 durante cinco horas por dia. Porque essa ideologia quer o automóvel elétrico? Para que as pessoas possam continuar “entulhando” as vias urbanas, sem sentimento de culpa, com um meio de transporte privado, já que essa ideologia prega a liberdade total de uso do transporte individual, como um valor básico da nossa sociedade. Porque essa ideologia não prega a necessidade de caminhões e ônibus movidos a eletricidade? Porque ela não está preocupada com os não-incluídos ou apenas não-demandantes. Ela representa e verbaliza, exclusivamente, os interesses privados. Somente a ideologia do transporte coletivo e de massa (que tem como referência os países nórdicos e alguns europeus como a Inglaterra e França) olha para uma cidade como São Paulo e vê que é inviável ter-se cinco milhões de automóveis ocupando o espaço viário que deveria ser ocupado, prioritariamente, por caminhões, ônibus, motos e bicicletas. Essa ideologia sabe - inclusive baseada na Constituição Federal - que o interesse privado tem que se subordinar ao interesse público. O Brasil já tem combustível pouco poluidor (etanol). Desse ponto de vista a situação estará bem resolvida quando se puder atender à quase totalidade de demanda razoável pelo uso de transporte individual. Do ponto de vista do interesse público, esse combustível (etanol) também gera trabalho e renda para milhares de brasileiros e respectivas receitas para pequenas e médias cidades produtoras. Assim, está correto o governo brasileiro ao não estimular a fabricação de carros elétricos e sim a dos veículos flex (gasolina e etanol). Caberá aos prefeitos e prefeitas disciplinar o uso das vias urbanas, para garantir a prioridade do transporte coletivo, o que, inevitalmente, implicará em penalizar o transporte individual. Os países nórdicos e a Inglaterra já instituiram o pedágio urbano como forma de desestimular o uso de transporte indivual, aliado às restrições de estacionamento nas áreas de grande concentração. Mais cedo ou mais tarde, cidades como São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Brasília vão ter que fazer esse dever de casa. Voltando à tecnologia de fonte elétrica (bateria) para veículos automotores, eu defendo o desenvolvimento de pesquisas para utilização de energia elétrica em ônibus. Isso sim seria um avanço, onde se matariam várias bactérias com um só antibiótico, resultando em mais transporte coletivo, menos poluição atmosférica e sonora e, além de tarifas módicas. Essa me parece uma luta importante. E você, o que acha? === Abaixo, a resposta de Geraldo Vianna - que me enviou o artigo Caro VALENTE, Tenho concordado com a maioria dos seus textos e, em alguns casos, até ajudado a divulgá-los. Mas deste, em particular, permita-me discordar. Sem prejuízo da necessidade de desenvolver as diversas alternativas de transporte público, parece-me inaceitável que se coloque ressalvas ao desenvolvimento do automóvel elétrico, pelos motivos que você apontou. Ao contrário, ele deve ser incentivado por todas as formas possíveis (IPI e ICMS com alíquota zero, IPVA simbólico, isenção de pedágio urbano, quando este existir etc.), tendo como único limite a capacidade da nossa rede de geração e distribuição de energia elétrica de atender a esta nova demanda. Acho que este discurso, que você encampou, é o que convém à indústria petroleira e, num segundo plano, aos usineiros. E, aí sim, temos um seríissimo conflito entre interesses público e privado. Não tenho dúvida que as pesquisas em torno das chamadas fontes limpas de energia avançam a passo cágado exatamente em função do poderosíssimo lobby dos interesses associados ao petróleo e, no caso do Brasil, ao álcool. O fato de termos hoje uma gigante do ramo, a Petrobrás,  além da risonha perspectiva do pré-sal, não nos deve distrair do principal: o esforço que deve ser de todos, e exercido em todas as direções, no sentido de dar uma chance de sobrevida ao planeta. Os nossos netos e bisnetos com certeza agradecerão. Eu ficaria menos incomodado com as suas restrições ao autómovel elétrico se elas fossem colocadas n o plano, por exemplo, da viabilidade do fornecimento de energia a milhões de veículos plugados ao mesmo tempo em tomadas pelo Brasil à fora. Qual o tamanho dessa demanda? Será que a nossa capacidade de geração e de distribuição de energia elétrica daria conta desse desafio? Confesso que não tenho a menor idéia... Por outro lado, já há baterias que se carregam por energia solar ... Acho que isso sim valeria a pena discutir, não para atirar pedras no carro elétrico, mas para que, eventualmente, não embarquemos em soluções utópicas, no que diz respeito aos limites e às condições de uma possível substituíção de frota. (a)Geraldo Vianna.