DIÁRIO DA CHINA

Hanfu: a roupa tradicional do povo Han

Conheça a história das vestimentas tradicionais do maior grupo étnico da China

Créditos: Wikimedia Commons - Jovens vestem diversas formas de hanfu durante um passeio de primavera.
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A linha mestra da minha pesquisa independente dos encontros da moda com a política é observar o jeito que as pessoas se vestem como um espelho dos hábitos culturais de uma sociedade ou uma época. 

Para compreender um pouco da história da China antiga, quando era governada por dinastias que se sucederam ao longo de séculos, inicio hoje uma série para compartilhar com você como eram as vestimentas tradicionais de algumas delas. 

A civilização chinesa tem cinco mil anos de história, repleta de várias dinastias diferentes, cada uma especial e influente à sua maneira. No entanto, existem alguns períodos que realmente se destacam quando se trata do desenvolvimento de roupas tradicionais chinesas. Para inaugurar essa série, vou abordar a Dinastia Han e hanfu, o nome das roupas tradicionais do grupo étnico han, o maior da China.

Além disso, nas próximas semanas, vou escrever sobre as vestimentas de grupos étnicos minoritários da China, que são 55 ao todo. Minha proposta é destacar os estilos mais representativos para, dessa forma, ajudar a conhecer um pouco mais sobre a cultura chinesa. 

Vamos lá!

Hanfu: A roupa tradicional da maioria étnica chinesa 

A roupa do povo Han é chamada de hanfu, existe há mais de três milênios e consiste nos estilos tradicionais de roupas usadas por essa etnia, que é majoritária na China. Cada dinastia sucessiva produziu os próprios códigos de vestimenta diferentes como um espelho do ambiente sociocultural da época.

Zhuanlan - O hanfu em diferente dinastias da China.

As roupas feitas de seda foram inicialmente usadas para fins decorativos e cerimoniais. O cultivo da seda inaugurou o desenvolvimento da tecelagem, e na época da Dinastia Han (206 aC-220 dC), brocado, damasco, cetim e gaze foram desenvolvidos.

Durante a Dinastia Han, os designs e estilos de roupas eram mais ou menos os mesmos para homens e mulheres. Para distinguir os gêneros, eram utilizadas diferentes cores, tecidos e caimento. 

Após a Dinastia Han, a segunda da China e uma época de prosperidade econômica que é considerada uma das mais poderosas e influentes da história chinesa, o hanfu se desenvolveu em uma variedade de estilos usando tecidos que englobavam uma série de técnicas complexas de produção têxtil, particularmente as usadas para produzir seda. 

As características das roupas Han incluem mangas muito largas e uma aparência solta e em camadas, com roupas geralmente consistindo de duas ou três peças, principalmente uma peça solta com um decote aberto, uma saia longa e um vestido aberto com um decote usado usado como uma peça de vestuário exterior e enrolado na cintura.

Há várias peças representativas de hanfu, como o ruqun (uma peça de vestuário para a parte superior do corpo com uma longa saia externa), o aoqun (uma peça para a parte superior do corpo com uma longa saia inferior), o beizi e o shenyi, e o shanku (uma peça de roupa na parte superior do corpo com calças ku).

Tradicionalmente, o hanfu consiste em uma túnica, ou uma jaqueta usada como a roupa de cima com uma saia comumente usada como a roupa de baixo. Além de roupas, o hanfu também inclui várias formas de acessórios, como chapéus, calçados, cintos, joias, yupei (termo genérico para pingentes de jade) e leques de mão.

Desde o início da história do hanfu (especialmente nos círculos de elite) esse tipo de vestimenta era inseparável da seda e da arte da sericultura, supostamente descoberta pela consorte do Imperador Amarelo, Leizu, que também era reverenciada como a Deusa da sericultura.

Aqui neste post no meu perfil do Instagram eu conto um pouco da história da seda:

Na China, uma estrutura sistêmica de vestuário foi desenvolvida pela primeira vez durante a Dinastia Shang (1600 aC– 1045 aC), onde cores, desenhos e regras que regem o uso foram implementados em todos os estratos sociais. Apenas cores primárias (ou seja, vermelho, azul e amarelo) e verde foram usadas devido ao grau de tecnologia da época.

O básico do hanfu foi desenvolvido nesta época e consiste em um yi, uma túnica de punho estreito na altura do joelho amarrada com uma faixa e uma saia estreita na altura do tornozelo, chamada chang, usada com um bixi, um pedaço de tecido que atingia os joelhos. Eles eram feitos de seda e pintados de vermelho e verde. Desde o primeiro aparecimento, as roupas han-chinesas mudaram e evoluíram ao longo do tempo.

No inverno, jaquetas acolchoadas eram usadas. O ku ou jingyi, que eram calças na altura do joelho amarradas nas panturrilhas, mas deixavam as coxas expostas, eram usadas sob o chang. Durante este período, este estilo de roupa era unissex. Apenas pessoas ricas usavam seda; as pessoas pobres continuaram a usar camisas soltas e ku feito de cânhamo ou rami. 

Gosto do imperador 

Muitos fatores contribuíram para as vestimentas da China antiga: crenças, religiões, guerras e gosto pessoal do imperador. Por exemplo, durante a breve Dinastia Qin ( 221 a.C - 206 a.C), o imperador Qin Shihuang estabeleceu vários sistemas que impactaram muito as gerações posteriores. Ele ordenou que o povo, independentemente da distância e classe, seguisse uma série de regulamentos em todas as formas de aspectos culturais, incluindo roupas. 

O estilo de roupa na dinastia Qin era unitário e adotava um sistema de cores que estipulava qual a posição das pessoas na hierarquia social. Quem ocupava cargos mais altos (oficiais do terceiro escalão e acima) usava verde e os cidadãos comuns, branco. O nome do traje era shenyi, um vestido formal usado junto com um guan (chapéu) e sapatos.

Wikimedia Commons - Um guan, um dos chapéus tradicionais para os homens.

O guan era usado para distinguir classes sociais e era uma das características distintivas do sistema hanfu. Os homens só podiam usá-lo após a cerimônia da idade adulta conhecida como Guan Li. As cores do hanfu durante a Dinastia Qin tinham um significado simbólico baseado na teoria taoísta dos cinco elementos e na teoria yin e yang.

O hanfu influenciou as roupas tradicionais de muitas culturas vizinhas, incluindo a coreana, a japonesa e a vietnamita. Até certo ponto, o hanfu também influenciou alguns elementos da moda ocidental, especialmente aqueles influenciados pela moda Chinoiserie - uma interpretação e imitação europeia das tradições artísticas chinesas e outras do Leste Asiático, especialmente nas artes decorativas, design de jardins, arquitetura, literatura, teatro e música que foi expressa de diferentes maneiras, dependendo da região - desde o século XVII na Europa e nos Estados Unidos.

Também é considerado tradicional decorar o hanfu com borlas e pingentes de jade ou vários ornamentos pendurados no cinto ou faixa, que são conhecidos como pei. Chapéus para homens e postiços para mulheres também podem ser usados tradicionalmente em combinação com hanfu. Este chapéu também marcava profissão ou posição social.

Hanfu desapareceu no início da Dinastia Qing (1644-1911), fundada não pelos chineses han, que formam a maioria da população da China, mas pelos manchus, um povo semi-nômade que primeiro ganhou destaque na Manchúria. A dinastia Qing caiu em 1911 e o vestido manchu desapareceu rapidamente em favor do vestido de estilo ocidental.

Televisão e Ópera chinesa

Wikimedia Commons - Hanfu em uma performance Kunqu.

Desde o século 20, hanfu e roupas de estilo hanfu têm sido usados frequentemente como trajes antigos em séries de televisão chinesas e estrangeiras, filmes e outras formas de mídia de entretenimento, e foi amplamente popularizado desde os dramas do final da década de 1980. Eles são frequentemente retratados em dramas históricos e filmes wuxia (gênero de ficção chinesa sobre as aventuras de artistas marciais na China antiga). 

No entanto, alguns figurinos de dramas de televisão são imprecisos e não estão de acordo com os fatos históricos. Um exemplo de traje de estilo hanfu historicamente impreciso é o traje usado pela Mulan da Disney, onde as mangas largas do hanfu foram reduzidas a mangas estreitas refletindo a moda moderna.

Muitos elementos e estilos de figurinos usados na ópera chinesa são derivados do hanfu de várias dinastias, como Ming, que podem ser misturados com o estilo de roupa da dinastia Tang a Qing. Os trajes de ópera usados na ópera Kunqu - uma das mais antigas formas existentes de ópera chinesa listado como uma das Obras-Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela UNESCO desde 20012 - são baseados principalmente nas roupas usadas na dinastia Ming. E, a maior parte do estilo de figurinos retratado na ópera cantonesa também é derivado das roupas da dinastia Ming, com poucas exceções sendo derivadas das roupas da dinastia Qing. Trajes de ópera cantonesa usam roupas de estilo Ming para ópera que são definidas em todas as dinastias, exceto as da dinastia Qing; esses trajes seguem o estilo Qing.

Século 21

Zhuanlan - Hanfu na atualidade.

Na atualidade, o hanfu experimentou um crescente renascimento da moda entre os jovens chineses han na China e na diáspora chinesa no exterior. O Movimento Hanfu é um movimento social contínuo que visa popularizar essas vestimentas e integrar elementos tradicionais chineses no design de roupas modernas, como forma de promover a cultura tradicional chinesa.

Hoje, a China enfrenta uma necessidade crescente de estabelecer um senso de identidade nacional, e o Movimento Hanfu faz parte do movimento para restaurar velhos costumes e tradições e promover a cultura chinesa. Em uma escala maior, o Movimento Hanfu faz parte do Sonho Chinês, ou "o Grande Rejuvenescimento da Nação Chinesa".

Esse tipo de roupa virou uma tendência da moda e um lucrativo setor de negócios. Em 2018, a estimativa aponta que esse mercado tinha 2 milhões de consumidores em potencial. A receita estimada de vendas em 2019 foi de 1,4 bilhão de yuans (US$ 199,3 milhões). De acordo com a pesquisa iiMedia 2018, as mulheres representam 88,2% dos entusiastas do Hanfu e 75,8% das lojas Hanfu nas plataformas Taobao e Tmall só vendem hanfu para mulheres.

Um estudo feito pelo Forward Industry Research Institute (um instituto de pesquisa chinês) mostra que, em 2020, o número de entusiastas do hanfu na China atingiu 5,163 milhões e criou um mercado de 6,36 bilhões de yuans (US$ 980 milhões). Em 2021, os entusiastas de hanfu em toda o país asiático ultrapassou 7 milhões, um mercado de no mínimo 9 bilhões de yuans (US$ 1,39 bilhão).

Glossário

  • Yi - que é qualquer peça de vestuário aberta com gola cruzada e é usada tanto por homens como por mulheres; 
  • Pao - qualquer roupa de corpo inteiro fechada, é usada apenas por homens; 
  • Ru- camisa aberta com gola cruzada; 
  • Shan - camisa aberta de colarinho cruzado ou jaqueta que é usada sobre o yi; 
  • Qun ou chang - um tipo de saia que é usada por mulheres e homens e 
  • Ku - um tipo de calça ou calça.