O ex-cineasta e jornalista Arnaldo Jabor chamava-o de “fazendeiro de bundas” no final dos anos 1990. Naquele momento, a elite bem-pensante de um país cujo presidente era um sociólogo e doutor pela Sorbonne via-o como um personagem do nível de apresentadores como Gugu ou Ratinho. Produto da “revolução da vulgaridade regada a funk e pagode”. Mas os tempos mudaram. Agora Luciano Huck é a “grande esperança branca” depois de muitas idas e vindas – subliminarmente lançou sua candidatura no “Domingão do Faustão” ao negar ser “o salvador da pátria” e acrescentar: “não sei o que vai ser a minha vida”, ao lado da candidata a primeira-dama Angélica. Como sempre, o “wishful thinking” das esquerdas considera tudo uma “manobra desesperada dos golpistas”. Mas o golpe não chegou até aqui, com um tic-tac milimetricamente calculado e eficiente com o apoio logístico da Guerra Híbrida e do Lawfare do Departamento de Estado dos EUA, para ver todas as “reformas” perdidas numa eleição democrática. A ocupação midiática do Estado já superou a antiga visão da “Sociedade do Espetáculo” de Guy Debord. Agora a grande mídia quer dispensar intermediários para alinhar de uma vez o Estado ao tempo real midiático-financeiro.
Luciano Huck: da vulgaridade regada a funk e pagode à "grande esperança branca"
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Lá pelo já distante ano de 2015, este Cinegnose foi profético: especulavam-se as candidaturas de José Luiz Datena, João Dória Jr. e Celso Russomano para a prefeitura de São Paulo. Na época, este humilde blogueiro acreditava que São Paulo era muito mais do que um enclave conservador: era também um laboratório de vanguarda para experimentos financeiros-jurídicos-midiáticos.
A pouco mais de um ano das eleições municipais, dois personagens midiáticos sem vida orgânica partidária e sem experiência política entravam em cena como candidatos: Doria Jr. e Datena, somando-se a Russomanno, outro candidato midiático que participara do último pleito.
“É a mídia, estúpido!”, vaticinava a postagem. Depois de anos de um trabalho diário de desmoralização da política em bloco, a grande mídia chegava a última etapa do seu projeto histórico: chega de intermediários! Para quê levar a Política à reboque pautando e roteirizando seus acontecimentos se as próprias estrelas televisivas podem assumir as rédeas.
E a postagem de 2015 alertava: “se essa experiência der certo no verdadeiro laboratório de vanguarda em que se tornou São Paulo, quem sabe teremos no futuro Luciano Huck para presidente”.
Nos anos 1990 triunfantes do neoliberalismo de Bill Clinton nos EUA, FHC aqui no Brasil e Bill Gates dizendo que a Globalização era a “estrada para o futuro”, figuras midiáticas como Luciano Huck eram desprezadas pela elite bem-pensante, satisfeitas com a “internacionalização” do País com privatizações a toque de caixa.
Huck era colocado ao lado de outras figuras como Ratinho e Gugu. E seu programa, o “H” da Band, enquadrado ao lado de coisas como “Aqui e Agora” e “Domingo Legal” do SBT ou quadros como o “Sushi Erótico” do “Domingão do Faustão” na Globo.
Por exemplo, em sua coluna no jornal Folha de São Paulo, o ex-cineasta e jornalista Arnaldo Jabor qualificava Luciano Huck como “fazendeiro de bundas”, típico produto da “revolução da vulgaridade regada a funk e pagode”. Huck era especializado em revelar beldades como a “Feiticeira” e a “Tiazinha”, em quadros onde jovens eram depilados de forma dolorosa ao vivo – clique aqui.
Sintomático pela sua trajetória: estagiário em agências de publicidade, revista Playboy, colunas sociais e sócio em casas noturnas.
Nesses tempos triunfantes, a elite satisfeita apenas torcia o nariz para Huck e suas beldades de chicotinho e rosto com véu, em um país governado por um sociólogo graduado pela USP com doutorado na Sorbonne.
Mas os tempos mudaram. Depois do crash da Nasdaq no ano 2000, o crash dos mercados globais de 2007-2008, o subsequente derretimento da Zona do Euro, a desobediência dos BRICS e os doze anos de governos trabalhistas no Brasil que interromperam temporariamente a receita da agenda neoliberal brasileira, a elite bem-pensante teve que se unir à midiática para tentar recolocar a locomotiva da Globalização nos trilhos.
Nos EUA, o personagem midiático Donald Trump chegou ao poder para dar um alento à “América Profunda” que foi deixada para trás pela Globalização. É criticado por ser um ator falastrão e canastrão. Foi até publicada uma biografia que retrata Trump com sérios problemas psiquiátricos. Mas, paciência: é o homem certo para o momento atual do capitalismo.
E no Brasil, depois de anos de guerra híbrida e jornalismo de esgoto (cujo ápice foram os anos de 2013 a 2016) para interromper o hiato dos governos trabalhistas, o resultado foi imprevisível: polarização entre Lula à esquerda e o militar da reserva Jair Bolsonaro com discurso de extrema-direita.
Bolsonaro fez parte do mal necessário para criar a atmosfera midiática de crise política para acender o rastilho do impeachment. Mas agora, parece impossível colocá-lo no script da “ grande esperança branca”* – Bolsonaro lembra o comportamento intempestivo de Jânio Quadros (e se colocar um general como Ministro da Fazenda?), também a “esperança” em 1960. E deu no que deu: crise política, renúncia e o adiamento em dois anos do golpe, postergado para 1964.
Mas o roteiro já está traçado e o exemplo, como sempre, vem do estrangeiro: além de Trump, Macri na Argentina e Lorenzo Mendonça na Venezuela (o “anti-Maduro”) fazem parte do elenco dos empresários-celebridades e estrelas midiáticas que segue o mesmo discurso – representam “o novo” na Política, sem os “vícios” dos “políticos tradicionais”, e sempre defensores das “reformas necessárias”.
E entre idas e vindas, ironicamente o “fazendeiro de bundas” (para quem a elite torcia o nariz) ressurge como a “grande esperança branca”*. No “Domingão do Faustão” do último domingo, Luciano Huck, ao lado da sua candidata a primeira-dama Angélica, fez uma exaltação subliminar da sua candidatura – afirmar através da negação: “nunca vou ser o salvador da pátria, e o que vai acontecer na minha vida eu também não sei”, afirmou o apresentador que participa de movimentos como o “Agora!” e o “Renova BR” voltados para a formação de novas lideranças políticas.
Isso em uma concessão pública numa flagrante desobediência à legislação eleitoral. No passado a Globo recorreu ao mesmo modus operandi com o então desconhecido governador das Alagoas, Fernando Collor de Mello, com participações no programa “Cassino do Chacrinha” para lançá-lo candidato nas eleições de 1989.
Essa participação de Huck no programa de Fausto Silva foi ao ar alguns dias depois de o próprio apresentador solicitar a Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, que não excluísse seu nome das pesquisas eleitorais.
Dentro dessa batalha midiática, não seria a primeira vez que a Globo sacrifica ou rifa de vez seus próprios produtos: Miriam Leitão e Carlos Sardenberg transformaram-se em protagonistas da fake news do “escândalo da Wikipedia” em 2014 (no qual o próprio repórter era a única fonte para turbinar a matéria); William Waack foi jogado ao mar no ano passado depois da gafe racista, para provar que a emissora é imparcial; e agora a Globo promove o seu apresentador a candidato subliminar à presidência - de “fazendeiro de bundas” a emissora o promoveu a reformador de latas velhas e motivador do empreendedorismo para telespectadores desesperados.
As esquerdas, como sempre com o seu compulsivo wishful-thinking, acreditam que tudo isso não passa de uma manobra desesperada de uma elite financeira-judiciária-midiática que não consegue lançar um candidato de Centro para fazer frente a Lula-Bolsonaro: depois de Dória Jr. queimar a largada com a ansiedade de se transformar no herói anti-Lula e as alternativas Alckmin, Meirelles etc. simplesmente não decolarem, lançam um apresentador de TV com a imagem marcada pelas ligações comerciais perigosas com o radioativo Aécio Neves.
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