Nas imagens da CNN estranhamente a câmera parece dar a deixa para as ações na Champs Élysées: quando veem a câmera bombeiros e paramédicos começam a correr não se sabe para onde, enquanto cruza a cena policiais antimotim com escudos, capacetes fortemente armados em fila – para onde estão indo se a área foi isolada e o atirador já está morto? Inúmeras anomalias marcaram mais um não-acontecimento às vésperas das eleições presidenciais na França. E como sempre (Londres, Berlim, Nice, Bataclan, Charlie Hebdo etc.) mais recorrências e sincronismos. Enquanto a Ciência tenta compreender a realidade a partir de fenômenos recorrentes e eventos sincrônicos, o Jornalismo ainda crê em acidentes, no acaso e nas fatalidades. Para a grande mídia, fora desse mundo no qual Deus parece jogar dados com os acontecimentos, estão à espera os paranoicos teóricos da conspiração. Mas dessa vez a “coincidência” entre os tiros no boulevard mais famoso do mundo e o debate eleitoral num estúdio de TV foi além da conta...
Deus joga dados em não-acontecimento da Champ Élysées
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A busca por recorrências (regularidades mensuráveis e exteriores ao sujeito) é uma das abordagens do método científico. Procura por redundâncias que possam indicar padrões. Importante por apontar possíveis funções e interações até então desconhecidas. Tão importante que para a Teoria da Informação é o próprio fenômeno informacional: redundâncias são a base dos modelos matemáticos que permitem a codificação de uma informação.
Saindo das ciências exatas, existem também as denominadas “coincidências significativas”, que o psicanalista Carl G. Jung definiu como “sincronicidades” – acontecimentos que se relacionam não por relação causal, mas por relação de significado.
Porém, quando entramos no Jornalismo tudo muda de figura: se alguém procurar sentido em recorrências ou sincronismos será pejorativamente chamado de “teórico da conspiração”.
Por que toda semana ocorrem incêndios em favelas na cidade de São Paulo? Um repórter investigativo que abandonasse o “como” e procurasse o “porquê” nesse caso, seria no mínimo considerado um paranoico com viés esquerdista. Ora, incêndios acontecem. Ainda mais com tantos “gatos” com fios desencapados na rede elétrica desses lugares... Não importa se é um fenômeno eminentemente paulistano. Buscar conexões em recorrências pode “queimar” (desculpe o trocadilho) a carreira de um repórter.
O pior é que no jornalismo e nos fatos que a mídia cobre, além de recorrências e sincronismos ignorados, existem ainda anomalias – fatos que se assemelham a falhas narrativas, ou, como dizia o escritor Norman Mailer, “espasmos da realidade”.
Como, por exemplo, a estranha “gafe” de Donald Trump que em um discurso em fevereiro falou sobre um atentado na Suécia que até então não tinha ocorrido. Foi ridicularizado como um presidente “mentalmente perturbado”. Dois meses depois o mundo soube da morte de quatro pessoas atropeladas por um caminhão que invadiu uma calçada em Estocolmo. Previsão? Antecipação involuntária de agenda? Nunca vem ao caso – sobre isso clique aqui.
Recorrências, sincronismos e anomalias são desprezados pelo Jornalismo da grande mídia. São “teorias de conspirações”. Convém apenas reproduzir sempre as versões mais “críveis” das autoridades e das grandes agências de notícias internacionais.
O próprio cinema parece reforçar esse estereótipo com personagens sempre histéricos, obsessivos e paranoicos envoltos com ideias fixas de conspirações. O que faz cair naquilo que o Cinegnose chama de “Hipótese Fox Mulder” – se o cinema transforma a busca por recorrências em ficção protagonizada por tipos sociopatas paranoicos, quando vemos no mundo real essa mesma busca imediatamente rotulamos como “coisa de cinema”, “conspirações hollywoodianas” etc. – clique aqui.
Por isso é simplesmente inacreditável como, em mais um ataque (dessa vez na icônica Champs Élysées), a grande mídia reporte a mesma cadeia de eventos, as mesmas anomalias e os mesmos sincronismos sem levantar uma simples questão: por que o mesmo modus operandi?
Enquanto era transmitido pela TV o último debate entre os candidatos à presidência, às 21 horas, em plena Champs Élysées, um Audi 80 prata parou ao lado de uma van da polícia estacionada em frente à estação de metrô Franklin Roosevelt. Um atirador (ou dois em outras versões) saiu do carro e abril fogo contra os policiais.
O que criou uma onda de pânico com pessoas correndo em todas as direções, turistas em fuga atropelando cadeiras e mesas de bares e restaurantes que apagaram as luzes para se proteger de outros possíveis disparos.
Em uma eleição acirrada na qual os candidatos (Marine Le Pen da extrema-direita, Emmanuel Macron e François Fillon da direita e centro-direita e Jean-Luc Mélènchon da esquerda) estão quase empatados, a última semana foi marcada por especulações da grande mídia sobre supostas ameaças de novos atentados.
Dois dias antes do tiroteio, autoridades policiais anunciaram prisões de suspeitos de “mais um ataque frustrado” (clique aqui).
Pois aqui começam as recorrências, anomalias e sincronismos de mais um não-acontecimento.
Como sempre, mais um atirador solitário. Daqueles que, apesar dos extensos esforços da polícia e inteligência e do estado de emergência decretado na França desde os atentados anteriores, consegue escapar do radar da autoridades: condenado em 2005 por atacar policiais e preso nesse ano como “possível radical islâmico”, foi solto por “falta de evidências”. São os mesmos lapsos repetidos em incidentes como os de Nice.
O desfecho dos ataques são aborrecidos e previsíveis: o vilão sempre morre como fosse alguma queima de arquivo. Se houvesse mesmo algum esforço dos líderes do Ocidente para desbaratar células terroristas e destruir o Estado Islâmico, seria prioritário a captura de terroristas vivos para interrogá-los. Mas mortos não falam...
Dias antes, o primeiro ministro da França Bernanard Cazeneuve afirmou que 50 mil policiais e gendarmes, assim como sete mil soldados, foram mobilizados para salvaguardar as eleições e proteger locais de votação do terrorismo. Mas apesar de todo estado de emergência nacional, polícia e serviços de inteligência mobilizados, foram estranhamente incapazes de monitorar os passos de um suspeito preso e liberado nesse ano.
Charlie Hebdo, Bataclan, Nice, Parlamento Britânico e Big Ben, boate Pulse e, agora, Champs Élysées com a imagem dominante do Arco do Triunfo. As imagens das tropas nazistas atravessando o Arco na ocupação de Paris na Segunda Guerra Mundial transformaram esse monumento em um ícone do século XX.
São lugares símbolos da democracia, liberdade de opinião e estilo de vida hedonista do Ocidente. Se argumentarmos que os terroristas procuram esses lugares justamente para tornar mais visíveis seus ataques como atos de propaganda, entraremos num raciocínio tautológico – acontecem para ocupar a mídia e a mídia os repercute alimentando mais atentados, resultando num fim em si mesmo.
Portanto esses ataques recorrentes abandonariam o campo do terrorismo internacional para ingressarem nos fenômenos midiáticos: os não-acontecimentos. De arma política para supostamente desestabilizar o Ocidente para uma prática diversionista midiática.
Embora as autoridades policiais inicialmente relatassem uma tentativa de assalto, logo depois os dois lados quase simultaneamente vieram a público confirmar um atentado terrorista: em pronunciamento direto do Palácio do Eliseu, o presidente François Hollande confirmou a “ordem terrorista” e a sua “determinação para lutar contra o terrorismo” (mesmo que seja “queimando arquivos” vivos); e do outro lado, o grupo jihadista também com a rápida confirmação da Amaq, agência oficial do Estado Islâmico.
Aliás, notícia devidamente transmitida pela TV imediatamente após o debate entre os candidatos às eleições presidenciais.
Nas eleições brasileiras, sempre é disparada a chamada “bala de prata” para liquidar o adversário mais odiado pela grande mídia, no último instante, no fim da campanha eleitoral para impedir qualquer direito de resposta: a capa da revista Veja dizendo que “Lula e Dilma Sabiam”, o dossiê dos “aloprados do PT” e imagens das pilhas de dinheiro para pagá-lo etc.
Da mesma maneira os tiros na Champs Élysées foi a “bala de prata” mais previsível em uma eleição apertada na qual o tema mais explosivo era a questão dos refugiados, imigrantes e terrorismo. Cantada a bola por toda a semana pela grande mídia, a morte do policial no boulevard mais famoso do mundo a tiros foi um acontecimento oportuno a poucos dias das eleições.
Desde os ataques do 11 de setembros nos EUA em 2001, sempre é encontrado junto ao corpo do terrorista morto, ou mesmo nas proximidade (no carro, jogado no chão, caído em um monte de lixo etc.) algo que identifique o atirador (ID, carteira de motorista etc.) ou que o caracterize como terrorista islâmico. Se essas variáveis não estiverem presentes, antes de perpetrar o massacre ou explodir a si próprio, ele simplesmente pode gritar “Allahu Akbar!” (“Deus é Grande”).
E na Champs Élysées foi encontrado perto do corpo da terrorista uma “nota que pode ter caído do corpo do atirador”: uma mensagem escrita à mão “em defesa do Estado Islâmico”. Além de massacrar, matar ou dar cabo de si mesmo, é incrível a preocupação doa terroristas em carregar alguma identificação... – clique aqui.
Uma testemunha chamada Chelloug tornou-se a estrela da grande mídia. Com riqueza de detalhes descreveu o carro dos terroristas (Audi, velho, cinza...), a arma do atirador (uma russa Kalishinikov), a reação de pessoas na multidão, a reação dos turistas, o número de tiros (seis) etc. Uma riqueza de detalhes surpreendente para um ataque que pegou todos de surpresa - clique aqui para ver o depoimento pela Sky News.
Pelo detalhismo das informações, por que ao invés de dar entrevistas não foi conduzido à delegacia para contar o que viu?