Surreal ironia: enquanto o motorista da Universidade Federal conduzia este humilde blogueiro para uma palestra no Rio no dia 24, orientado por um aplicativo que em tempo real envia alertas de locais com tiroteios, assaltos e arrastões, lá em cima, em cerimônia no Cristo Redentor, estavam membros da elite artística e tecnológica global. Entre eles, Madonna, Bono Vox e Elon Musk, convidados para o casamento de uma modelo brasileira com um empresário da indústria do entretenimento mundial. No dia seguinte, Madonna posou na Rocinha com roupa de camuflagem ao lado de policiais orgulhosamente exibindo armas. Enquanto, na turnê brasileira, Bono Vox e o U2 hastearam a bandeira nacional em um telão sob a exortação “censura nunca mais!”. Casamentos-ostentação sempre ganham espaço na grande mídia em épocas de crise e acirramento da desigualdade. Mas dessa vez, o momento é especial: o ativismo-clichê de Bono Vox e a euforia de Madonna em área de violenta conflagração parecem querer transmitir uma mensagem para o mundo: Vejam! O Brasil voltou à normalidade – desempenhar o eterno papel de “país do futuro” enquanto oferece como “city tour” para turistas as mazelas da violência e apartheid social.
Dois “casamentos-ostentação” como há muito tempo não se via na grande mídia. Casamentos que se tornaram simbólicos no contexto atual marcado pela crise econômica, desemprego endêmico e acirramento das desigualdades. Tão simbólicos que mais parecem sintomas de uma patologia social em um país psiquicamente doente.
No dia 7/10, nos jardins da mansão da família do noivo no condomínio de luxo em Campinas, o casamento da atriz da TV Globo Marina Ruy Barbosa com o piloto de Stock Car e empresário Xande Negrão. Com a presença de toda a fauna da grande mídia (do presidenciável Luciano Huck, passando pelo indefectível Galvão Bueno e o Ronaldinho “Fenômeno” até ao jogador Neymar, o grande investimento de marketing da emissora para a próxima Copa), contou com a presença de 800 convidados.
Uma simbólica união entre a elite midiática e empresarial: o casal se conheceu em um pousada de Fernando Huck em Fernando de Noronha.
E o momento mais esperado, quando a noiva joga o buquê para os convidados, foi narrado pelo locutor Galvão Bueno. E quem pegou o buquê foi a top Celina Locks, namorada do Ronaldinho.
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Casamento-ostentação Hortência e Oliva em 1989: depois, populares saquearam as frutas da decoração |
Casamentos-ostentação parecem sempre ocupar a mídia em períodos agudos de crise econômica e social nacionais. E sempre com algum tipo de aliança entre grande mídia e elite econômica.
Como, por exemplo, o casamento com a estrela do basquete Hortência com o empresário José Victor Oliva em 1989 na Igreja Nossa Senhora do Brasil, em São Paulo, ricamente decorada com flores e frutas e toda ostentação midiática. Em meio à crise da hiperinflação e violenta concentração de renda. Acabada a cerimônia e após a saída dos convivas, a igreja foi invadida por populares que saquearam as frutas decorativas.
Nas nuvens do Cristo Redentor
Poucos dias depois do simbólico casamento Globo/elite empresarial em Campinas, o segundo casamento-ostentação: desta vez entre a modelo brasileira Michele Alves e o empresário da indústria do entretenimento norte-americana Guy Oseary. Com direito a casamento no Santuário do Cristo Redentor e, como não poderia deixar de ser, festa na casa do presidenciável Luciano Huck e sua aspirante a primeira dama Angélica.
Entre os convidados Madonna, Bono Vox, Flea (da banda Red Hot Chilli Peppers) e o bilionário e visionário de empresas de alta tecnologia Elon Musk – aquele que afirma que o Universo é uma simulação computadorizada e a Inteligência Artificial uma ameaça real à humanidade.
O casamento foi dia 24, dia em que esse humilde blogueiro desembarcou no Rio para uma palestra na UFRRJ. Curiosa ironia: enquanto o motorista da universidade me conduzia orientando-se por um aplicativo que mapeia em tempo real áreas com tiroteio na cidade, lá em cima no Cristo Redentor estavam membros da elite global da indústria de entretenimento e de alta tecnologia.
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Enquanto isso, lá embaixo, este humilde blogueiro era levado por um aplicativo que alertava tiroteios na cidade... |
Acredito que isso é mais do que uma ironia, mas um sintoma: personagens que puderam finalmente aportar aqui depois que o País foi “pacificado” – de nação recalcitrante, finalmente tornou-se dócil a atual agenda geopolítica da globalização: financeirização aliado com apartheid social com viés de controle populacional, no qual crime e violência são uma das variáveis da equação.
Bono Vox em um país “pacificado”
Exagero? Afinal, Guy Oseary é o empresário de Madonna e da banda U2 e Musk um esperto empresário que sabe combinar a especulação midiática com o mundo arriscado dos investimentos.
Porém, de certa forma, as atitudes de Madonna e Bono Vox em terras brasileiras fizeram cair a ficha da real condição brasileira nesse momento.
Bono Vox, contumaz ativista do mainstream em constantes participações nas reuniões no Fórum Econômico Mundial em Davos, deu uma críptica declaração na reunião de 2005: “Lula mudou a agenda de Davos”. Uma declaração no mínimo ambígua: elogio ou revelação do incômodo que representava o então presidente?
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Ativismo-clichê do U2: censura recente no Brasil? |
Nos shows do U2 deste ano no Brasil, uma bandeira brasileira era hasteada no telão e o baterista Larry Mullen vestia uma camiseta na qual lia-se “censura nunca mais” – houve censura estatal nos governos recentes?
É sintomático que desde a turnê “Pop Mart” no Brasil em 1998, Bono Vox e a banda não se esbaldavam no Brasil por tantos dias, com intensa agenda profissional e social, como nessa turnê “Joshua Tree 30 Anos”.
Madonna e o verdadeiro produto turístico nacional
Depois de alguns anos em que o Brasil tentou ombrear com os países hegemônicos ao sediar a Copa do Mundo e Olimpíadas (sabemos que, desde as Olimpíadas nazistas de Berlim de 1936, os jogos olímpicos tornaram-se instrumentos de propaganda geopolítica), tudo foi desconstruído em grande escândalo de corrupção – o presidente do Comitê Olímpico brasileiro, Arthur Nuzman, preso e o esquema de corrupção de escolha do Brasil revelado.
Curioso que até agora a Copa do Mundo no Brasil não teve tal fúria moralizadora. Talvez pelas relações viscerais entre Fifa, CBF e TV Globo.
Depois do Brasil ser colocado no seu devido lugar, eis que Madonna, mais do que todos os outros convidados para o casamento-ostentação do Cristo Redentor, faz o País cair na real e revela a verdadeira vocação “turística” brasileira para o restante do planeta.
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