O cinema é um dispositivo que descende diretamente o Mito da Caverna de Platão. Partilha da construção da irrealidade do mundo, mas também pode ser uma porta da saída dessa caverna por meio da criação do “acontecimento comunicacional” que induza a estados iluminados ou alterados de consciência. E que, por fim, favoreça a “gnose”. Essa foi a conclusão final da jornada que esse humilde blogueiro participou ministrando palestra e workshop no Rio de Janeiro nessa última sexta e sábado. Realizados na Casa da Ciência da UFRJ e na livraria Estação das Letras, e organizados pelo Coletivo Transaberes, tive a oportunidade de apresentar um amplo painel dos diversos renascimentos do Gnosticismo nas ciências, artes e literatura, até o momento atual do Gnosticismo Pop hollywoodiano. É mais uma forma de aumentar o véu da ilusão, mas também abre fissuras por onde podemos escapar.
Cinegnose discute no Rio formas do Cinema escapar da caverna de Platão
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Após esse humilde blogueiro estoicamente enfrentar o medo da avião, na última sexta, 24/06, aterrissei no Rio de Janeiro a convite do Coletivo Transaberes da UFRJ para uma intensa programação com palestra e workshop.
Após ser recebido no Santos Dumont pelo professor, doutor em História da Ciência e agitador cultural do Coletivo, Nelson Job, rumamos para um almoço bem transdisciplinar: uma discussão em torno de cinema, a série inglesa cult Black Mirror, a “ontologia onírica” e a “vortexologia”, conceitos onde a ciência se encontraria com a tradição hermética e espiritualista.
Em seguida rumamos para a Casa da Ciência, em Botafogo, para iniciar a palestra “Cinegnose: a presença da Mitologia Gnóstica no cinema contemporâneo” para um público bem interessante e heterogêneo: estudantes, professores da UFRJ, autodidatas e cinéfilos.
A palestra iniciou pela parte mais difícil e espinhosa: explicar o que é o Gnosticismo. Difícil porque mesmo entre historiadores e filósofos, é um conceito escorregadio e controverso. Pela natureza oculta do ensinamento gnóstico e pelo fato de muito material a respeito vir da crítica ortodoxa cristã tornou-se difícil estabelecer uma descrição precisa sobre as diversas seitas que compuseram o Gnosticismo.
Partimos, então, com duas definições de Gnosticismo: de um lado, o conjunto de seitas sincréticas do início da Era Cristã que combinavam neoplatonismo, hermetismo e influências orientais como sufismo e budismo para interpretar de maneira mística a missão de Cristo nesse planeta; e do outro, uma atitude ou predisposição psicológica e ideológica de crítica e contestação que permitiu diversos renascimentos do Gnosticismo na História. Como no momento atual pelo qual passamos.
Em seguida mapeamos os momentos onde na Modernidade o Gnosticismo encontrou essa predisposição e atitude que permitiu o seu renascimento. Para começar, no movimento do Romantismo seja na arte ou na literatura onde a introspecção e a desconfiança diante da aceleração tecnológica e urbana da Modernidade trouxe a valorização do misticismo e do hermetismo.
Conseguimos apresentar a narrativa cosmogônica gnóstica (como o homem tornou-se prisioneiro em um cosmos criado por uma divindade que não nos ama), a sua filosofia (imanente, ecumênica e, principalmente, a noção de gnose) e os quatro pilares da sua mitologia: o Mito do Demiuro, o Mito da Alma Decaída, o Mito do Salvador e o Mito do Feminino Divino.
Madame Blavatski e o movimento teosófico, o espiritismo de Allan Kardec e sociedades herméticas como Golden Dawn na Inglaterra popularizaram tanto conhecimentos herméticos como gnósticos presentes em obras de literatura como as de Lewis Carroll, por exemplo.
E no século XX a presença do Gnosticismo na física, biologia e ciências computacionais e cibernética até chegar ao Gnosticismo pop de Hollywood a partir de 1995 até hoje, com a sua mitologia sempre renovada. Como demonstra a nova série dos irmão Wachovski Sense8 onde faz uma releitura PsicoGnóstica da mitologia CosmoGnóstica apresentada em 1999 por Matrix.
A propósito, o ponto de chegada de toda a exposição e discussão da tarde de sexta-feira foi apresentar as ramificações dos filmes gnósticos nessas últimas década: o filme CosmoGnóstico, TecnoGnóstico, PsicoGnóstico, CronoGnóstico e AstroGnóstico.
Além de apresentar como o Gnosticismo pop criou uma galeria de arquétipos contemporâneos baseado em três tipos de personagens fílmicos que seriam metáforas das três formas de constituição da subjetividade: o Viajante, o Detetive e o Estrangeiro. Respectivamente, corresponderiam a três “estados iluminados” que poderiam induzir à gnose: suspensão, paranoia e melancolia.
Veja os slides da apresentação abaixo.
A proposta básica do workshop desenvolvido na manhã e tarde de sábado foi a seguinte: é possível o cinema ser uma mídia indutora a “estados iluminados” que possam criar uma abertura para a gnose?
Uma abordagem como essa exigiria um viés do cinema não mais conteudista (conscientização político, moral ou ideológica) ou formalista (fazer uma metalinguagem do cinema). Dessa vez a abordagem deve ser fenomenológica: como o filme pode criar “acontecimentos comunicacionais” – o encontro da narrativa ficcional com a biografia do espectador que produza ressonâncias em sua vida propiciando impacto, mal-estar ou insights e até epifanias que induzam a questionamentos e mudanças.