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“Isso muda o mundo” estava estampado em uma bike patrocinada por um banco que parou ao meu lado em um semáforo. Por que essa necessidade de sobrecodificar (metalinguagem + fático) nossas experiências e escolhas através do Marketing? Uma pedalada deixa de ser uma experiência despretensiosa para tornar-se um gesto autoconsciente que exige comunicação. Alguns pesquisadores apontam para esse fenômeno de comunicação baseado em uma nova religião confessional (cujos novos apóstolos são os profissionais da comunicação) baseada na fé de que a soma de escolhas isoladas resultará em um mundo melhor. Um mundo onde cada pequeno gesto deve ter um significado importante para ser comunicado a “Deus”.
Como toda manhã, pedalava minha bike para lecionar na Universidade. Parei em um semáforo na Avenida Faria Lima, São Paulo. Enquanto aguardava o sinal verde para acessar a ciclovia, parou ao meu lado outro ciclista, com uma daquelas bikes laranjas do Itaú. Olho para o quadro da bike, onde figurava em destaque um adesivo com os dizeres “Isso muda o mundo”.
O sinal abriu e tomei o caminho da ciclovia até a Universidade com essa situação insólita martelando na minha cabeça: Ok! Ir ao trabalho de bicicleta melhora a qualidade de vida, um carro a menos nas ruas da cidade e assim por diante. Mas não basta apenas a ação em si, a opção espontânea de uma pessoa. O marketing do banco que patrocina o serviço de aluguéis de bicicletas Bike Sampa tem que sobrecodificar com uma metalinguagem, como se o ciclista a cada pedalada declarasse para todos “vejam como estou mudando o mundo!”.
Para além da crítica à visão de mundo positivista por trás da campanha criada pela Agência África em 2013 para o Itaú (como se o Todo fosse a simples soma das partes, como se cada pequena ação fosse somada para resultar numa transformação coletiva), há um fenômeno cultural pós-moderno: o fato de estarmos imersos numa metalinguagem generalizada, onde as nossas atitudes, gestos e escolhas estivessem vinculados na ênfase em estar em contato com algum destinatário genérico.
É o fenômeno da sobrecodificação, resultado da fusão da metalinguagem (a comunicação que fala dela mesma) com o fático (a comunicação focada no contato).
O filósofo e escritor catalão Xavier Rubert de Ventós assim descreve essa “vertigem do sentido” resultante dessa fusão:
Acordei e busquei ao redor um acontecimento que não tivesse se transformado em notícia, uma função não codificada por uma instituição, um gesto que não pertencesse a uma linguagem não-verbal, uma prática que não fosse uma profissão. Saí ao seu encontro mas em todos os lugares me davam gato por lebre: pedia um livro e me ofereciam uma obra, necessitava de um método e ensinavam-me uma metodologia, queria um país e me encontrava em um Estado, me bastava um pênis, mas me asseguravam que eu tinha nada menos do que um Falo – o elemento constitutivo, diziam, da ordem simbólica e cultural. VENTÓS, Xavier Rubert. De La Modernidad, Barcelona: Ediciones 62, 1980 p. 9.