Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som). Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Linguagem Audiovisual. Pesquisador e escritor, co-autor do "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e autor dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose – a recorrência de elementos gnósticos na produção cinematográfica" pela Editora Livrus.
No filme "O Novíssimo Testamento" Deus não morreu - apenas se tornou inútil
Deus existe, e ele está em algum lugar em Bruxelas. Arrogante e grosseiro, passa os dias digitando em um computador ultrapassado regras para tornar a vida de todos um inferno. Mas o que ninguém sabe é que Ele tem uma filha que está decidida a ser mais bem sucedida do que seu irmão, Jesus – libertar a humanidade do jugo de um Demiurgo através do Novíssimo Testamento. Esse é o filme “O Novíssimo Testamento” (Le Tout Nouveau Testament, 2015) do belga Jaco van Dormael, uma comédia de humor negro blasfema, herética mas, principalmente, gnóstica: se soubéssemos o momento exato da nossa morte, paradoxalmente viveríamos melhor a vida que nos resta, sem o medo do caos e do aleatório que impedem o nosso livre-arbítrio. Para Van Domael, Deus não morreria, mas se tornaria inútil.
O que faria o leitor se soubesse o dia, a hora e o minuto exato da sua morte? Continuaria levando a vida normalmente cumprindo seus deveres e reponsabilidades à espera do fim? Ou mandaria tudo às favas e realizaria tudo aquilo que seus deveres e responsabilidades não deixavam?
Mas quem enviou essa informação tão precisa e perturbadora? Uma pessoa que teve acesso ao computador de Deus, roubou as informações e, por vingança, as enviou para todos os celulares do planeta via mensagem SMS.
E essa pessoa é nada mais do que a desconhecida filha pré-adolescente de Deus (sempre lembramos apenas de Jesus) que tem um plano para se libertar do jugo do seu Pai: voltar à Terra e escrever O Novíssimo Testamento. Mas desta vez, e diferente de Jesus, sem morrer antes e ter controle total sobre a sua obra.
Esse é o novo filme do diretor belga Jaco Van Dormael (Sr. Ninguém, 2009) que a crítica especializada vem definindo como uma “comédia blasfema”. O que para o Cinegnose significa uma comédia gnóstica. Se no filme Sr. Ninguém as referencias gnósticas eram altamente simbólicas onde o protagonista lutava contra o aleatório que interferia no livre arbítrio, em O Novíssimo Testamento a visão gnóstica sobre Deus e a Criação é bem mais explícita.
Deus existe é Ele mora recluso em algum lugar em Bruxelas. Rabugento, abusivo, desbocado e vingativo vive diante a tela de um computador ultrapassado controlando a vida da humanidade e sempre preocupado em evitar que os humanos tenham ideias de “fugir de toda a merda”.
Os temas como Livre-arbítrio, Determinação e o Tempo desenvolvidos de forma simbólica e filosófica em Sr. Ninguém, em O Novo Testamento são expostos de forma direta e ironicamente divertida – se nascimento e morte são maquiavelicamente determinados por Deus em um computador, quando o homem tiver em suas mãos essas informações então poderá se libertar de toda dor e sofrimento impostos pela sociedade e ter a vida em suas próprias mãos.
Então, Deus não morrerá: apenas se tornará uma ideia inútil.