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O leitor deve lembrar da alegoria da Caverna de Platão, diálogo filosófico sobre a condição humana prisioneira de imagens simulacros do mundo real. Na inacreditável história contada pelo documentário “The Wolfpack” (2015, disponível no Netflix) de Crystal Moselle, essa alegoria deixa de ser uma tese filosófica para se tornar real: o que aconteceria se o homem conseguisse sair da caverna de Platão e olhasse a realidade? Sete irmãos cresceram presos pelos seus pais em um apartamento em Nova York. Sem sair às ruas tinham o cinema hollywoodiano (e principalmente filmes do Tarantino, seus favoritos) como o único contato com o mundo exterior e passavam os dias reencenando sequências dos filmes – montavam cenografias e fantasias com papelão de caixas de cereais. O apartamento tornou-se uma caverna midiática e quando finalmente se libertaram, conseguiram ver a realidade apenas a partir das referências cinematográficas.
Na antiguidade o filósofo Platão acreditava que se o homem conseguisse sair da caverna de onde era prisioneiro, a luz do mundo lá fora e do fogo que projetava os simulacros na parede seria tão intensa que iria ferir os olhos, e ele não poderia ver bem.
Muitos pensadores falam que a caverna de Platão atual é a midiática e que, mesmo se conseguíssemos tentar ver o mundo real desligando todos os equipamentos elétricos e eletrônicos, ainda assim veríamos as coisas a partir das referências do mundo das imagens que persistem em nossas mentes.
Pois essa discussão deixou de ser meramente filosófica ou hipotética, desde que a documentarista Crystal Moselle acidentalmente encontrou na First Avenue em Nova York um grupo de rapazes com cabelos compridos, óculos escuros, ternos e gravata pretas com camisas brancas. Como se tivessem saído de algum filme de Tarantino, Cães de Aluguel ou Pulp Fiction.
Então Moselle perguntou se eram irmãos e disseram que moravam a poucas quadras. Ela estranhou porque nunca os tinha visto por ali. “Um deles perguntou-me em que trabalhava, disse que era cineasta e responderam que gostariam muito de trabalhar na indústria do cinema”, lembrou Crystal Moselle.
Dessa maneira começou a produção de The Wolfpack, documentário sobre a inacreditável história da família Angulo, cujos filhos passaram a vida toda trancada pelos pais em um apartamento em plena Manhattan. Foram educados em casa pela mãe e quase não saiam às ruas (no máximo duas vezes no ano em saídas monitoradas), proibidos pelo pai que temia as influências da sociabilização nos filhos numa cidade como Nova York.
O único contato que os irmãos (hoje com idades entre 16 e 24 anos) tinham com o mundo na medida em que cresciam era a visão da cidade pelas janelas do apartamento em um andar elevado e através dos filmes de Hollywood. Distantes da sociedade, os filmes passaram a ser a única referência do mundo exterior – assistiram cerca de 5 mil filmes da coleção do pai, que depois eram reencenados no apartamento. Entre os favoritos estavam Pulp Fiction e Cães de Aluguel.
Foi numa dessas saídas monitoradas pelo pai que Moselle os descobriu para realizar um documentário sobre uma verdadeira experiência involuntária comportamental e cognitiva. Um verdadeiro reality show muito diferente dos isolamentos fakes de programas do gênero como Big Brother ou A Fazenda. Ou até mesmo o Na Real, primeiro reality show da história da TV feito pela MTV em 1992 centrado em um apartamento com jovens na mesma cidade de Nova York.
The Wolfpack mostra como seria na atualidade o desfecho da narrativa da alegoria da Caverna de Platão, dessa vez com uma família real e numa das cidades mais filmadas e fotografadas do mundo.