Depois da vitória de Doria Jr. nas eleições à prefeitura em São Paulo, o reality show “O Aprendiz” faz mais um vitorioso: Donald Trump, eleito presidente dos EUA para surpresa da grande mídia. Mera coincidência? Principalmente em política, não há causalidades, mas sincronismos. Há um gênio por trás desse evento sincrônico: o britânico Mark Burnett, atualmente a figura mais poderosa no mercado global dos reality shows televisivos, idealizador e produtor de franquias como “No Limite” (“Survivor”), “O Aprendiz” (“The Apprentice”) e “The Voice”. Mas é na trajetória de Burnett que podemos encontrar sincronismos entre a vida pessoal, a narrativa desses reality shows e os seus subprodutos famosos: Dória Jr. e Donald Trump. O gênio de Burnett foi expressar sua experiência de vida nos shows televisivos que ele idealizou e produziu.
Por que "O Aprendiz" está por trás das vitórias de Trump e Doria Jr.?
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Há alguns anos, através da minha esposa, conheci uma pessoa que era amigo comum dela e de seus amigos desde os tempos de escola. Era fã de heavy metal e classic rock, o que tornava amigo de toda aquela turma de roqueiros. Mas também tinha conceitos políticos que, de tão radicais, costumava fazer todos rirem nos encontros em festas e churrascadas, principalmente depois de alguns copos de cerveja.
Era capaz de defender seriamente Hitler, alegando um complô judaico internacional, amaldiçoar o feminismo e levantar teses sobre pureza racial e a necessidade da expulsão dos nordestinos de São Paulo. Ninguém o levava a sério pois de tão supostamente datadas ou ultrapassadas, suas ideias tinham um quê de humor “trash”. Era o “malvado favorito” da turma capaz de misturar essas teses bizarras em animadas conversas sobre bandas como Rush ou Black Sabbath.
Pessoas como essas sempre estiveram por aí, falando sozinhas ou para poucos, à espera de uma tradução política que desse a elas voz e passassem a ser levadas a sério.
Pois esse momento chegou! Através de tipos outrora obscuros, que viviam no baixo clero parlamentar ou nas sombras do dia-a-dia. Hoje, ganharam as luzes da mídia, tais como os bolsonaros, felicianos, membros da chamada “bancada da bala, da Bíblia e do boi” no Congresso, aliados de primeira hora no golpe político brasileiro; até chegarmos a uma nova extirpe de políticos que não são políticos, mas personagens midiáticos: Dória Jr., em São Paulo e, agora, Donald Trump eleito presidente dos EUA.
Doria Jr. com o tipo do bom moço cujo discurso pragmático de gestão esconde uma política urbana elitista; e Trump com o discurso de segregação e intolerância de muros e barreiras sanitárias.
Mas há entre eles um capital midiático comum, muito mais do que mera coincidência: o reality show televisivo O Aprendiz – através desse programa tanto Dória Jr. quanto Trump criaram para si mesmos personagens palatáveis para a opinião pública: de um lado, o “coxinha” da cashmere; e do outro, o bilionário desbocado que demite incompetentes.
Muito mais do que mera coincidência, o denominador comum que os une é um verdadeiro evento sincromístico: o reality O Aprendiz criou a narrativa necessária que daria verossimilhança àquelas ideias que, em tempos mais “pacíficos”, nunca foram consideradas dignas de preocupação. No máximo, inspiravam vergonha alheia.
Se shows como Big Brother exploram o voyeurismo de espionar as mazelas de pseudo-celebridades, reality shows como No Limite (Survivor) e O Aprendiz (The Apprentice) lidam com algo mais duro do psiquismo que se aproximam da famosa fórmula psicológica que definiria o fascismo para o filósofo Theodor Adorno: “Aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve liberdade de demonstrar, que precisou reprimir” (“Educação após Auschwitz” In: Theodor W. Adorno – coleção grandes cientistas sociais, São Paulo: Ática, p.39).
Franquias como Survivor e O Aprendiz lidam com a extrema “competitividade” em situações limites onde a dor auto-impingida está numa proporção direta da força que deve ser desferida contra o competidor.
Nem mais podemos falar em “competitividade” – falar em “competição” ainda implicava em algum princípio ético ou moral que regulava as ações. Na verdade, são reality shows nos quais luta-se pela sobrevivência, e não mais pela vitória. Numa cultura onde provas como “Iron Man” fascinam executivos e CEOs de empresas, o paradigma da competição é substituído pelo da luta pela sobrevivência – engolir a própria dor para, na primeira oportunidade, descontá-la no outro devido ao endurecimento tanto muscular quanto de caráter.
Não é à toa que em situações de crise econômica, decepção e aversão à política nas quais a dor procura o bode expiatório mais próximo (afinal, essa é a psicologia social do fascismo, o grande legado do século XX), discursos sem escaramuças como o de Trump caem como uma luva.
Mas é na trajetória do criador e produtor desses programas, Mark Burnett, que podemos encontrar sincronismos entre a vida pessoal, a narrativa desses reality shows e os seus subprodutos mais famosos: Dória Jr. e Donald Trump.
O gênio de Burnett foi criar um caldo cultural que conectou sua experiência de vida com os shows televisivos que ele idealizou e produziu.
Nascido em Londres, filho de pais ingleses operários católicos e presbiterianos, Mark Burnett, 56, é um militar reformado da divisão de paraquedistas das Forças Armadas britânicas. Serviu o país na Guerra das Ilhas Malvinas, contra a Argentina em 1982.
Burnett é atualmente a figura mais poderosa no mercado de reality shows televisivos. Ele mudou-se para os Estados Unidos com apenas 200 dólares no bolso. Um amigo ajudou Burnett a arrumar seu primeiro emprego como babá e empregado doméstico na casa de uma rica família em Beverly Hills.
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