Crise do Euro e a Metafísica vingam-se da Grécia

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Há um fantasma que assombra a História, o fantasma da Metafísica. Há uma ironia sincromística na crise econômica de um país que contribuiu com a Metafísica de Sócrates, Aristóteles e Platão e que agora cai de joelhos diante da Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), representantes de um sistema financeiro do capital volátil e especulativo, sem lastros com a “economia real”, mas com forte poder de destruição. Foram necessários 25 séculos de Filosofia para a Metafísica realizar-se – do “Logos” de Heráclito, passando pela metafísica platônica e a Trindade de Santo Agostinho até chegar à abstração das transações simultâneas, do cálculo probabilístico das transações financeiras e equalização das tendências das bolsas de valores:  tornou-se o no “Logos” (ou no álibi) em nome do qual falam economistas ou técnicos para empurrar goela a baixo a suposta racionalidade das austeridades. O ator Jeremy Irons parece ter percebido isso em um talkshow na TV portuguesa.
O “Não” do povo grego em plebiscito contra as medidas de austeridade da Troika foi saudado como a primeira intervenção da “vontade popular” contra a chantagem da receita neoliberal da financeirização. No país que contribuiu com a Democracia para a história da filosofia política, nada mais natural que a voz do povo vencesse o medo e a chantagem.
Mas a renúncia do Ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis (figura “mal vista” pela Zona do Euro) um dia depois do “Não” foi o prenúncio do que viria: a humilhante capitulação final do governo grego de Alex Tsipras diante da plutocracia financeira representada pela chanceler alemã Angela Merkel.
Qual a conexão irônica entre a história da Metafísica e a derrota final da Grécia? Aqui e ali podemos encontrar algumas pistas que nos ajudarão a encontrar essa ligação.
Em uma entrevista que Jeremy Irons concedeu a um talkshow da TV portuguesa (veja vídeo abaixo), o ator fez algumas observações que só um suposto "leigo" em Economia poderia fazer mas que dá no que pensar. “Devemos todos milhares de dólares, não sei bem a quem. A América deve 300 bilhões de dólares a alguém. A quem?”. “Aos tipos dos bancos”, reponde o entrevistador. “Mas quem são eles? Por que não vêm a ter conosco para uma conversinha...”, responde ironicamente Jeremy Irons.
E finaliza: “A Alemanha tentou duas vezes pela via militar. Agora tenta pela via econômica. Emprestaram para todo mundo... é o velho truque... emprestar e emprestar... Não podem pagar? Deem então a casa, a vida, o seu país”. A perplexidade de Irons é: que poder de coerção é esse, mais poderoso do que a via militar? Que entidade abstrata e invisível (os “tipos dos bancos”?) é essa, onisciente e onipresente capaz de subjugar povos e nações?

A sinistra natureza do crédito

Certa vez o famoso banqueiro que financiou Napoleão, o Barão James Mayer de Rothschild, disse: “Dê-me o poder do dinheiro e ninguém saberá quem está no comando”. Rothschild compreendeu que se o dinheiro é poder, então um banqueiro jamais poderá emprestá-lo. No lugar, concederá crédito e manterá o “cliente” sob o seu controle.
No livro Virtual Wealth and Debt Money versus Man (onde procurava focar a Economia por princípios físicos da Termodinâmica) o químico prêmio Nobel de 1921 Frederick Soddy escreveu: “A mais sinistra e anti-social característica do dinheiro contratual é que ele não tem nenhuma existência. Bancos fornecem às pessoas uma quantidade total de dinheiro que não existe. Pagando ou vendendo através de cheques unicamente produzem uma troca ... Enquanto o correntista é debitado, outro cliente é creditado, e os bancos podem continuar devedor de tamanha quantidade indefinidamente”.
Foram necessários 25 séculos para que fosse gestado esse sistema de poder imaterial e onisciente, desde que o pensamento grego desejou se livrar das imagens e animismo do pensamento mágico. Tudo começou quando Heráclito ousou dizer “escutando não a mim, mas ao Logos, acreditem que...” – “Logos”: palavra escrita ou falada, o “Verbo” ou o “ser” ou realidade íntima de alguma coisa.

 
Dessa maneira, através da lógica formal e do pensamento racional com validade universal, Heráclito tentava expulsar as superstições populares. Mas na verdade criava um novo discurso de poder, o “falar em nome de” enquanto sua vontade de poder se ocultava por trás da pretensão à Verdade.

Metafísica: do Ser ao Espírito

Mas no momento em que a lógica formal transformou-se em Metafísica com Aristóteles, Sócrates e Platão o pensamento parte para o Ser: procura na diversidade, multiplicidade e mudança do mundo a unidade, a identidade, a imutabilidade. Encontrar no mundo a Ideia, o Conceito que faz o Entes existirem. Por exemplo, Platão acreditava que o mundo nada mais era do que uma cópia imperfeita das essências puras reinante no mundo das Ideias.
Ao expulsar do pensamento toda forma de movimento, exorcizando a sociedade das suas diferenças entre senhor e escravo, o pensamento grego deixou como herança o discurso de poder que esconde a vontade de poder.
Se a filosofia grega queria “falar em nome do Logos”,  ao criar a ideia de Trindade Santo Agostinho começou a falar dessa feita “em nome do Espírito”, forma de poder mortal para a Igreja Romana. Juntamente com a invenção da Graça por São Paulo, a filosofia dá mais um passo para a abstração e expurgo da própria existência com as difamações da carne humana e o elogio da expiação vicária por meio do sangue de Cristo celibatário.

 

A Metafísica baixa à Terra

Do céu da filosofia grega ou da Santíssima Trindade Católica, a burguesia revolucionária trouxe a abstração do “Logos” para a acumulação do capital na Terra. A ordem do dia passou a ser então liquidar quaisquer resquícios religiosos ou metafísicos da filosofia e da ciência, em nome da Razão – o novo “Logos” em nome do qual os emissores esconderão a vontade de poder.
Trazendo os conceitos metafísicos do mundo das Ideias para o mercado de trocas na Terra e a Santíssima Trindade encarnada no próprio capital, efetua-se a abstração e generalização necessárias para criar uma equivalência geral das mercadorias diante do dinheiro ou de criar uma aparência de troca igualitária entre capital e trabalho.
Mas apesar dessa “materialização” do Logos, o Capitalismo ainda mantinha a tensão do pensamento conceitual iniciado com a Metafísica: essência e aparência, Espírito e Corpo e, no mercado capitalista, a oposição entre preço e valor. Além disso, atualizava o velho discurso de poder: dessa vez o “em nome de” (o Logos) não está nas Ideias ou no Céu – agora esta inscrita na sociedade e na Natureza, em nome do qual o economista fala.

 
Porém, esse discurso de poder ainda estava limitado à tensão hermenêutica entre essência e aparência, forma e conteúdo, preço e valor – ainda o dinheiro estava preso aos diferentes lastros regionais e nacionais. O Logos ainda não havia chegado à abstração e generalização globais.