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Ao declarar seu “susto” com o posicionamento da revista “Veja” contra o desarmamento em 2005 no referendo sobre armas, Bárbara Gancia foi uma dos primeiros jornalistas a perceberem uma contradição na grande mídia que vem crescendo desde então: como ser politicamente conservador e ao mesmo tempo liberal nos costumes? O vale-tudo atual da grande mídia de buscar em águas turvas o apoio de setores política e culturalmente retrógrados para desgastar o Governo Federal pode ser uma vitória de Pirro. Serginho Groisman e Jô Soares estão percebendo isso. E o recente editorial do jornal “Folha de São Paulo” contra o “obscurantismo” do outrora incensado líder da Câmara Eduardo Cunha foi mais um sinal. Para a grande mídia a questão não é apenas política mas trata-se de sua própria sobrevivência diante da tecnologia de convergência que lhe arranca nacos de audiência. Após a vitória final com a terra arrasada, a mídia tradicional encontraria uma nova geração de jovens conectados aos seus dispositivos móveis e Internet e nem um pouco receptivos a uma agenda política baseada no conservadorismo de costumes.
Em 2005, a jornalista Bárbara Gancia percebeu os primeiros sinais de uma tendência de cobertura política da grande mídia que nos anos posteriores só cresceu: a defesa de uma agenda conservadora política e de costumes com uma visão de mundo segregacionista dentro de uma estratégia de vale-tudo para disseminar o ódio contra o Governo Federal e as próprias esquerdas.
“Deu a louca na revista Veja?”, perguntava perplexa a jornalista, ao ver o semanário sair em defesa “histericamente” pela opção do não desarmamento no referendo sobre armas que era realizado naquele momento. “Assino Veja há 20 anos, leio a revista de cabo a rabo e faço parte do grupo que acredita que o governo do PT é um embuste”, afirmava Gancia, sentindo-se traída pelo conservadorismo da Veja que acreditava que andar armado é um direito fundamental do indivíduo.
Em primeira mão a jornalista sentiu a contradição que agora parece ser insustentável para a grande mídia: como ser politicamente conservador e ao mesmo tempo liberal nos costumes?
Após a grande mídia, em um primeiro momento, tentar mobilizar pautas de esquerda contra o Governo Federal para criar situações de desconforto (questão indígena ou causas ecológicas, por exemplo), partiu para o vale-tudo ao aliar-se aos setores político e culturalmente mais retrógrados.
Desde a guerra da revista Veja em 2005 contra a iniciativa do desarmamento da população como medida da diminuição da violência, a grande mídia mergulhou nas águas mais escuras da sociedade brasileira: o apoio à redução da maioridade penal; o entusiasmo com a vitória de Eduardo Cunha para o comando da Câmara dos Deputados que, junto com evangélicos e ruralistas, dificulta as causa LGBT e a liberalização do aborto; crescimento da chamada “bancada da bala” no Congresso etc.
A mídia abriu a Caixa de Pandora
O resultado é que uma espécie de Caixa de Pandora foi aberta: o fenômeno da “direita envergonhada” (presente no Brasil por três décadas desde o fim da ditadura militar) desaparece na polarização política estimulada pela mídia, que ganha as ruas no balaio de gatos em que se transformaram as manifestações anti-Dilma – defesas de uma imediata intervenção militar, paranoia anti-comunista (ou “bolivariana”, se quiserem), abaixo-assinados da TFP pelas ruas em defesa de uma suposta ameaça à família brasileira, denúncias sobre as sinistras conspirações de uma “ditadura gay”, a gestação de um “partido militar” ou simplesmente defesas pelo fim de qualquer partido ou sindicato.
O irônico de tudo isso é que os fantasmas libertos da caixa de Pandora se voltam contra a própria mídia que a despertou:
(a) A crise de audiência na novela Babilônia da TV Globo resultante da rejeição de telespectadores e grupos evangélicos motivado pelo beijo de personagens lésbicas em uma atmosfera de intolerância ao liberalismo de costumes;
(b) Novelas esteticamente conservadoras e melodramáticas como Os Dez Mandamentos e Mil e Uma Noites respectivamente das emissoras Record e Band roubam cada vez mais audiência das narrativas mais realistas e liberais da TV Globo;
(c) O reforço diário no telejornalismo da percepção de que o País está à beira do abismo econômico resulta em um tiro no próprio pé com a redução dos próprios patrocinadores.
(d) O telejornalismo monocórdico e de contínuo “baixo astral” com crises, denúncias e ódio faz espectadores jovens migrarem para Internet em busca de informações mais variadas e alternativas.
A cobra engole o próprio rabo
Diante dessa conjuntura que poderíamos chamar da “cobra que começa a engolir seu próprio rabo”, comunicadores e veículos começam a tentar se blindar diante de possível consequências do crescimento do conservadorismo com o qual eles próprios um dia se aliaram:
(a) A resposta do apresentador Serginho Groisman à pergunta “pegadinha” no “Domingão do Faustão” onde argumentou que, apesar da crescente polarização política, deve-se respeitar o voto e a Democracia;
(b) A guinada do apresentador Jô Soares (cujo programa foi, desde a “crise do Mensalão”, um dos veículos da disseminação do ódio anti-PT) que, diante das assustadas “meninas do Jô”, começou a demonstrar indignação contra a “bobagem” do fantasma do bolivarianismo e a sair em defesa do respeito ao voto e críticas a um possível impeachment, culminando com uma entrevista com a presidenta Dilma;
(c) Após o jornal Folha de São Paulo apoiar Eduardo Cunha para a liderança à Câmara dos Deputados e esconder dos leitores a série de inquéritos contra o deputado federal, em editorial recente a Folha denunciou os “abusos” de Cunha num “país de tradições laicas e liberais” que poderiam levar ao “obscurantismo, repressão e preconceitos”.
(d) Após o programa CQC da Band ter embarcado na onda raivosa da mídia em ano eleitoral e ter sofrido críticas nos bastidores da própria produtora argentina dona da franquia (culminando com a saída do apresentador Marcelo Tas), a atração agora tenta desmanchar o mal que produziu: reage a um vídeo produzido por um “hater” (“haters”, pessoas ou grupos que demonstram ódio, racismo ou preconceito nas redes sociais e fóruns) contra haitianos que trabalhavam como frentistas. O irônico é que o vídeo denunciado pelo programa adotava a mesma linguagem que o CQC usou e abusou para intimidar e humilhar personagens social e politicamente mais fracos – sobre isso clique aqui.